Com o pé esquerdo. Por Alexandre Schwartsman
Com o pé esquerdo
Por Alexandre Schwartsman
Não me entendam mal: bem sei que há muita ineficiência e desperdício no setor público brasileiro, que devem mesmo ser corrigidos; mas sei também que nenhum economista adulto pode acreditar que eliminá-los chegaria perto do nível de ajuste hoje necessário.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, coluna do autor, edição de 14 de março de 2018
Obviamente não esperava que nada de bom pudesse vir da campanha de Ciro Gomes, velho conhecido de carnavais d’outrora. Ainda assim, devo confessar que me surpreendi com a entrevista do coordenador de seu programa econômico, Nelson Marconi, que conseguiu ser ainda mais desataviada do que imaginava possível, revelando que os “novo-neo-proto-paleo desenvolvimentistas (NNPPD)” compartilham da mesma aversão ao aprendizado que os responsáveis pela maior crise dos últimos trinta e tantos anos.
Deixando de lado, por falta de espaço, as propostas de política industrial e uso do BNDES (de novo!), começamos com a velha insistência nos poderes mágico-mediúnicos da taxa de câmbio, que, se “colocada” no ponto certo (entre R$ 3,80 e R$4,00/dólar, mas, caso o dólar suba para, digamos, R$ 3,50, passará para R$ 4,20, ou algo parecido), resolveria todos nossos problemas.
À parte o misterioso processo pelo qual se chega a número tão preciso, jamais compartilhado com quem é inteligente o suficiente para não fazer parte da seita, menciona-se casualmente que uma vez que o câmbio “chegue a essa faixa, é preciso mantê-lo lá”, ou seja, voltaríamos para o regime de taxas administradas de câmbio.
Não bastasse a triste experiência nacional com este regime no que diz respeito à saúde do balanço de pagamentos, é sabido que, sob ele, à política monetária cabe a manutenção da paridade, enquanto o fardo de controlar a inflação é transferido à política fiscal.
… Contar feijões enquanto se ignora a reforma previdenciária não chega sequer a ser um exercício em futilidade: é apenas um disparate.
Mesmo se deixarmos de lado que, em caso de turbulência externa, as consequências sobre as taxas de juros podem ser precisamente as opostas às defendidas pelo pessoal NNPPD, esta proposta exige um ajuste fiscal muito mais duro do que o implicado pelo teto de gastos, que, se mantido, eliminaria o déficit primário em horizonte de 3 a 5 anos.
Os planos para o ajuste fiscal, contudo, são nebulosos, para dizer o mínimo. A ideia é passar um “pente fino” nas despesas, metáfora que – além de me ofender pessoalmente – repete os mesmos equívocos publicados por Marconi em artigo cometido na Folha em agosto de 2015.
Não me entendam mal: bem sei que há muita ineficiência e desperdício no setor público brasileiro, que devem mesmo ser corrigidos; mas sei também que nenhum economista adulto pode acreditar que eliminá-los chegaria perto do nível de ajuste hoje necessário.
Basta lembrar que em 2017 o governo federal gastou R$ 1,3 trilhão, quase 20% do PIB, dos quais a previdência (inclusive funcionários inativos e pensionistas) representou 11% do PIB, ou seja, 55% do total. Contar feijões enquanto se ignora a reforma previdenciária não chega sequer a ser um exercício em futilidade: é apenas um disparate.
A este respeito o máximo que Marconi propõe é um regime de capitalização, outra ideia que nenhum economista com mais de 18 anos tem o direito de aceitar, pois implicaria um custo de transição proibitivo. Abrir mão da receita previdenciária hoje resultaria num buraco adicional de R$ 375 bilhões/ano (5,7% do PIB) nas contas públicas. Haja feijão para contar…
O que se depreende, ao final da entrevista, é a crença que a Nova Matriz não falhou; só faltou aplicar seus princípios com mais afinco…
Como diziam de mim nos tempos em que jogava bola, ainda bem que estes a natureza marca.
* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS