Potencial matriarcal. Por Aylê-Salassié F. Quintão

POTENCIAL MATRIARCAL

 Aylê-Salassié F. Quintão

… as mulheres de classe média serão as maiores adversárias políticas nas próximas eleições. Elas sabem tudo. Expressam, sem constrangimento, a própria indignação, e tendem a votar sem o cabresto do maridão. Se interrompidas viram feras. Pensar que, na República Velha, elas não votavam. Representam hoje 51 % da população e ocupam quase 40% do mercado de trabalho. Mas são ainda apenas 12 no Senado e 45 na Câmara.

       Logo agora que o Jornal do Brasil está de volta, estou indeciso se continuo a manter minhas assinaturas dos impressos. Ficaria só com Chumbo Gordo e as principais revistas, matutava o meu amigo Antenor. Eles fazem o arremate semanal dos fatos que ocorreram ao longo dos últimos sete dias e ajudam a projetar os outros sete que virão. Porém, os motivos vão além disso. Todas as manhãs, quando levanta para tomar café, já encontra a mulher de celular na mão, ligada no WhatsApp, passando e repassando o noticiário do dia, às vezes, rindo, resmungando, protestando. Meio sonolento ainda, toma o seu café em silêncio. Naquele dia tinha duas amigas também à mesa.
– O Lula está indo para o Nordeste, mas ele vai de ônibus.
-Hum!…
-O PT cortou o jatinho dele. Agora, ele só viaja de ônibus, mas é ônibus arrendado.
-Hum!…
-Aquele safado tem medo de entrar num avião comercial. Agora, está com medo também de andar de ônibus.
      Silêncio…
 -Você precisa ver: o Cristovam juntou-se ao Frejat e ao Joe Valle (os opostos) para fazer uma frente comum de oposição nas eleições de 2018.
– Aliás, você viu? O Supremo remeteu para a Justiça do DF o processo contra o Lula, que estava com o Moro.
    Dormindo ainda, Antenor ouvia as palavras ecoando pela casa toda e até, na imaginação dadaísta, batendo nas paredes. Justificava-se: acordara tarde, tivera insônia. Lá pelo meio da noite, sem conseguir dormir, levantou-se, pegou o laptop, e foi rever um texto que o preocupava. Estava ainda ali atormentando o subconsciente.
 – Já viu o que aconteceu na Venezuela? – surge no ar a pergunta, e quase concomitante a resposta: -Aquele Maduro é louco!
      Um cafezinho aqui, outro ali, e o diálogo, acelerado, não parava. Na medida em que os raios do sol se estendiam pelas paredes, a metralhadora ia disparando:
 -Temer ladrão! Deputado safado! Lula sem-vergonha! Morreu o marido da Dilma! – –
– Policiais vagabundos, vão ter de voltar aos quartéis!
     E mostravam as imagens entre si.
– Nossa! Pois não é? Todo mundo requisitado para gabinetes! O juiz mandou retornar às tropas.
– É o juiz do Tribunal de Contas?
– Veja aonde chegamos.
– O que me intriga é a Receita.
– Sim! A Receita Federal! Essa corrupção toda aí há anos, nem ela, nem o Tribunal, nem as Ouvidorias sabiam!
– Como, não sabiam? Me engana, que eu gosto.
– Tem de fechar esses órgãos… E o Toffoli, bem caladinho. Como se não fosse ele o responsável pela aprovação das contas das eleições corrompidas. Ele era o presidente do Tribunal Eleitoral.
– Juntou-se agora com o Gilmar Mendes.
– Que é isso!
     Não dava tempo para passar manteiga no pão. Voava perdigoto para todo lado.
–  O Mantega foi condenado!
– Pois é!
– O rombo, segundo o cara da Receita, é de trilhões!
-Trilhões!
– É desoneração, é sonegação, é benefício fiscal…
– Que ladroagem!
– Tá saindo ladrão por tudo quanto é lado!
 – Porque você não fala das pimentas in natura que compramos em São José do Rio Preto? – arriscou Antenor, para ver se acalmava um pouco os ânimos.
 – Ah! Espera aí. Olha aqui: um sismo no…
– Muita gente morreu nas enchentes na Serra da Leoa? É muita pobreza! –virava o celular para mostrar o desespero das pessoas. Aliás, toda localizavam as imagens ao mesmo tempo.
     Antenor já estava meio zonzo, assustado com tanta informação pela metade sendo propagada pelas paredes. Se dissesse que seu ouvido não era penico, ele apanhava.
 – Ontem, virou mais um barco no Mediterrâneo…
  …  As mulheres estão vindo aí para as eleições de 2018 com os hormônios esteroides de 19 carbonos aflorando. Pela primeira vez, a quota obrigatória dos partidos políticos está estourando.
     Um espetáculo realmente surreal. Não largam o celular. Falam alto, rápido e sem respirar direito. Donas de casa as três, duas aposentadas do serviço público, dividem o tempo entre afazeres domésticos e a internet. Mantêm-se conectadas. Estão mais informadas que os políticos. A impressão que se tem é a de que não ouvem a si mesma. A comunicação concomitante é telepática.
-Médico traficante. Você viu? Cobrava R$ 600,00 por uma receita! -Agora, tá preso!
– Preso!
– E o urubu que encontraram com um ninho dentro do apartamento de um deputado?
– Urubu!
-É o tal que os bombeiros não conseguiram retirar?.
-Não. Esse foi o gato.
– O gato?
– Era um filhote. Ele subiu numa árvore e não conseguia descer. Os bombeiros…
– Pensei que era o urubu!
– O urubu também. Tem ninho e filhote. Os bombeiros….
– Ficou lá? Só falta chegar um desempregado desses por lá e resolver comer o urubu do deputado. Kakakaka!
 Tchiisss.. Tchiisss.. Tchiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiisss.
 -Êpa! A panela de pressão!
– Isso explode!
– Corre! Corre lá!
-A tampa! Apaga o fogo!
– Não,  põe na água fria!
-Cacilda! Que confusão!..
  Baaammmmmmmmmm!!!..
  – Não é que explodiu mesmo? …
   Conselho do meu amigo de caminhada matinal: quando as mulheres falam, sobretudo entre si, não se meta. Se começam a discutir com você, cale-se. Feche a boca. Pelos menos mosquito não vai entrar. Conclui Antenor que as mulheres de classe média serão as maiores adversárias políticas nas próximas eleições. Elas sabem tudo. Expressam, sem constrangimento, a própria indignação, e tendem a votar sem o cabresto do maridão. Se interrompidas viram feras. Pensar que, na República Velha, elas não votavam. Representam hoje 51 % da população e ocupam quase 40% do mercado de trabalho. Mas são ainda apenas 12 no Senado e 45 na Câmara.
    As mulheres estão vindo aí para as eleições de 2018 com os hormônios esteroides de 19 carbonos aflorando. Pela primeira vez, a quota obrigatória dos partidos políticos está estourando.

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Aylê-Salassié F. Quintão* –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília.

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