A vida dos outros. Por Alexandre Schwartsman

A vida dos outros

Por Alexandre Schwartsman

…A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratarem mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativa de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, este efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação mais alta, sem ganho persistente de desemprego…
A autonomia do Banco Central retornou à ribalta como parte da “Agenda 15”, um conjunto de medidas que o governo pretende tornar prioritárias agora que a reforma previdenciária foi definitivamente legada à próxima administração. Neste contexto voltou ao debate um possível mandato duplo para o BC, contemplando não apenas a meta para a inflação, mas também outra para desemprego. Trata-se de uma péssima ideia, apesar da aparente nobreza de propósito.
A destacar, em primeiro lugar, a diferença entre independência e autonomia no caso do BC. Embora ambas requeiram a fixação de mandatos para os dirigentes da instituição (tipicamente alternados com mandatos presidenciais), um BC independente pode escolher seus próprios objetivos, enquanto no segundo caso a liberdade da instituição se limita à decisão sobre os meios para atingir objetivos determinados pelo executivo.
Assim, por exemplo, o BC independente poderia determinar qual sua meta para a inflação, bem como tomar as decisões de política monetária que acredita corretas; no caso da autonomia, o executivo fixa a meta e o BC, à luz disto, determina a trajetória de taxas de juros consistente com o objetivo. A discussão no Brasil aponta para o segundo arranjo.
…Em que pese a preferência nacional pelas jabuticabas, ao menos neste caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais.
Imagine agora um BC autônomo a quem o executivo determina dois objetivos: uma meta para a inflação e outra para a taxa de desemprego, ainda que o BC tenha apenas um instrumento: a política monetária (a taxa Selic).
O problema é que há uma troca de curto prazo entre a inflação e desemprego, embora esta não persista no longo prazo. Caso o BC busque uma taxa de desemprego menor do que a consistente com a inflação na meta acabará fazendo com que esta se acelere.
A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratarem mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativa de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, este efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação mais alta, sem ganho persistente de desemprego. Pelo contrário, quando o BC tiver que trazer a inflação de volta à meta, haverá aumento de desemprego até que a inflação e as expectativas convirjam, como bem ilustrado pela nossa experiência recente.
Por outro lado, se o BC optar apenas pela meta de inflação, sua diretoria terá que lidar permanentemente com a ameaça de sanções por ignorar a outra perna do mandato. Não é difícil concluir que, sob tal cenário, a autonomia do BC ficaria comprometida.
Pode-se, claro, apontar para o arranjo institucional do Federal Reserve (Fed), cujo mandato abarca inflação, desemprego e taxas de juros (um triplo mandato) como contraexemplo.
Trata-se, porém, de um erro, porque o Fed é independente: apesar do mandato triplo, é ele quem determina seus objetivos. Em particular, há objetivo numérico apenas para a inflação, não para o desemprego, nem para taxas de juros, como expresso aqui: https://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/files/FOMC_LongerRunGoals_20160126.pdf.
As práticas internacionalmente consagradas apontam para a inflação como o objetivo do BC. Em que pese a preferência nacional pelas jabuticabas, ao menos neste caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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