Por que, Porque e Porquê. Por Quê? Por Josué Machado
POR QUE, PORQUE e PORQUÊ. POR QUÊ?
POR JOSUÉ MACHADO
De vez em quando, o pessoal de jornais e revistas de generalidades se confunde com o uso de “por que”, “porque”, “porquê” e “por quê”. Por que será?
Para facilitar esta conversa, eis aqui alguns exemplos de aplicação adequada dessas formas que confundem escribas distraídos de publicações variadas:
POR QUE os juízes suecos não têm direito, como os brasileiros, ao gostosinho auxílio-moradia e mais auxílio-saúde, auxílio-creche, auxílio-educação e auxílio-funeral? POR QUÊ? Quer saber o PORQUÊ disso?
Ora, PORQUE o jumento zurra, e o galo faz cocoricó.
POR QUE o juiz sueco Thed Adelswärd, especialista em ética jurídica, vai para o trabalho pedalando a própria bicicleta, que comprou com sua própria bufunfa? E POR QUE os 360 desembargadores de São Paulo têm direito a carro, combustível e motorista? POR QUÊ?
PORQUE Adelswärd prefere a bicicleta, o metrô e o ônibus; e PORQUE não se julga semi-deus e PORQUE tem vergonha. E PORQUE os juízes brasileiros querem chegar logo ao trabalho para trabalhar desesperadamente. E PORQUE o elefante brame, e o galo faz cocoricó.
POR QUE os juízes da suprema corte sueca não têm direito nem a carro nem a combustível nem a motorista pagos pelo Estado, como os daqui? E POR QUE não têm cota de passagens aéreas como os daqui para flanar e flanar? E POR QUE não têm auxiliares (os “capinhas”) que lhes ajeitem a poltrona-trono com rodinhas quando se sentam e se levantam nas sessões da Corte, como os do nosso STF? E que os ajudem a vestir as togas e lhes sirvam água e café? POR QUÊ? Querem saber o PORQUÊ dessas coisinhas?
Ora, PORQUE o abutre crocita, e o galo faz cocoricó.
POR QUE os juízes suecos não têm direito, como os brasílicos, ao auxílio-moradia de apenas R$ 4.377,73? E os juízes brasilianos têm tanto direito a ele que ameaçam até greve para mantê-lo. POR QUÊ?
Ora, PORQUE são especiais. E PORQUE esse valor não chega nem a cinco salários mínimos. E PORQUE não vale a pena lembrar que mais da metade da população nacional vive com menos de um só salário-mínimo de R$ 954,00.
E PORQUE a hiena geme, regouga e até gargalha; e o galo faz cocoricó.
POR QUE os juízes da suprema corte sueca não têm direito, como os daqui, a 25 assessores, alguns dos quais lhes preparam, sintetizam os processos e indicam a sentença mais adequada? POR QUÊ?
Ora, PORQUE a maritaca vozeia, e o galo faz cocoricó.
Consolo: pelo menos Suas Excelências AINDA não têm (que se saiba), nos palácios em que labutam quase todos os dias – quase –, quem os limpe, lave e enxugue quando vão à “casinha” de vasos sanitários equipados com jatos aquecidos, paredes de mármore de Carrara e cristais da Boêmia.
A TEORIA DA PRÁTICA
Para quem queira lembrar os PORQUÊS de cada uma das formas exemplificadas:
1) Escreve-se “por que” (separado, sem circunflexo) em dois casos:
-
a) Em frases interrogativas, se “por que” não estiver no fim do período:
– POR QUE nossos políticos e juízes são assim tão dedicados?
– POR QUE vivem com tanta simplicidade?
b) Quando se puder substituir “por que” por “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais”, “pelas quais”:
– É incrível a situação POR QUE passa a pátria amada. (= pela qual.)
– As aflições POR QUE passa…
2) Escreve-se “por quê” (separado, com circunflexo) em fim de frase, mesmo que marcada por vírgula e não só por ponto final:
– Os políticos afanam nossa bufunfa POR QUÊ?
– Eu sei POR QUÊ.
– Não sei POR QUÊ, mas a coisa vai mal.
3) Escreve-se PORQUÊ, numa só palavra, com circunflexo, quando vier precedida de artigo ou outro modificador, isto é, quando funcionar como substantivo:
– A grafia dO PORQUÊ varia com o significado na frase.
– SEUS PORQUÊS só você entende.
– O PORQUÊ dos desvios ficou claro no inquérito.
4) Escreve-se PORQUE numa só palavra, sem circunflexo, quando define causa ou explicação:
– Conjunção adverbial causal
– Foi preso PORQUE afanou muito.
– O chão está molhado PORQUE choveu.
Conjunção coordenativa explicativa
– Choveu à noite, PORQUE o chão está molhado.
– Representou bem, PORQUE havia decorado as falas.
Nota: quando explicativa, a conjunção PORQUE vem precedida de vírgula.
Enquanto isso, o galo faz COCORICÓÓÓ!!!
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade
Lição utilíssima, Josué.