Alegria? Será mesmo alegria? Tenho cá minhas dúvidas…Por Maria Helena RR de Sousa
Alegria? Será mesmo alegria? Tenho cá minhas dúvidas…
Por Maria Helena RR de Sousa
…Deu a louca no mundo, é o que parece. Aqui, foi esse Carnaval animadíssimo, algum ET lá de cima há de achar que somos uma ilha de felicidade, onde a alegria comanda o show da vida…
Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, na Veja online, 16 de fevereiro de 2018
Todos temos pequenas ou grandes alegrias em nosso dia a dia. O nascimento de um filho. Um diploma arduamente perseguido. Uma doença vencida. O regresso de um amigo muito querido. O sucesso profissional que tanto desejávamos…
São alegrias que alimentam nossas esperanças de um futuro sempre melhor.
Não são a essas alegrias individuais que eu me refiro e sim à alegria coletiva. Nessa, não acredito mais. Como aceitar o peixe que me querem vender de que essas milhares de pessoas pelo Brasil afora estão dançando e cantando porque estão alegres?
Vem cá, alegres com o quê? Com a situação econômica do país? Com o Governo Federal? Com nossos políticos? Com a Justiça mais lenta que uma tartaruga de Galápagos? Ou com o desmoronamento de construções malfeitas, mal planejadas, mal administradas, carentes de manutenção?
Aqui, a ciclovia Tim Maia foi novamente palco de um desmoronamento inacreditável! Inaugurada em janeiro de 2016, vão culpar o forte temporal que castigou ontem o Rio. Vão culpar Santa Barbara! Mas, vamos ser francos, vocês acham que essa ciclovia foi bem planejada, bem construída, serve como orgulho da engenharia nacional? Ou nos envergonha?
Aliás, durante muito tempo, os Crivellas e os Pezões da vida vão usar o temporal de ontem (15) para justificar o estado lastimável em que está nossa cidade. E o povo, o que dirá o povo? Ah! essa resposta só teremos no próximo carnaval, quando as escolas, espertas que são, dirão o que pensa a população desta cidade que aplaude e vibra com o desfile das escolas dominadas por pessoas que exercem atividades que finge lastimar.
Há poucos dias ruiu em Brasília um trecho de um viaduto e o governador da cidade (você não leu errado, Brasília, nosso Distrito Federal, tem governador, senador e deputado), repetindo, o governador da capital disse que provavelmente o viaduto ruiu porque Brasília é uma cidade envelhecida! Recomendo a esse ilustre senhor que vá a Roma e pesquise porque até as ruínas históricas de lá ainda estão em pé…
Deu a louca no mundo, é o que parece. Aqui, foi esse Carnaval animadíssimo, algum ET lá de cima há de achar que somos uma ilha de felicidade, onde a alegria comanda o show da vida.
Nos EUA, país onde o direito de possuir armas de fogo é garantido pela Constituição, e onde massacres com muitos mortos está se tornando rotineiro, onde, nas palavras de um estudante, o sangue inunda as salas e os corredores de muitas escolas, o que faz o topetudo que em má hora os americanos elegeram como presidente? Fala de tudo, menos em lutar para acabar com esse direito que foi colocado naquele documento em 1787, outro mundo, outras pessoas, outra situação.
É pena. Esse nosso continente tão lindo endoidou…
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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* – Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.
Prezada Maria Helena. Muito apreciei teu artigo. Em linhas gerais, concordo com ele. No entanto, carnavalescos em geral (e não apenas os profissionais bem pagos) nos responderiam o seguinte:
“É exatamente por tudo isso! Somos alegríssimos, e exuberantes nas manifestações públicas de nossa imperativa alegria, exatamente porque o país é uma porcaria. É a desculpa perfeita. Precisamos, pois, compensar! Ir à forra, ter uma atitude “afirmativa” diante de nossa miséria, oras bolas! Somos hiperbolicamente alegres no carnaval – que, para nós, dura o ano todo – porque, sem isso, morreríamos de tédio e de decepção com o mundo, que anda soturno e sem graça. Em suma, nossa alegria é compulsória para todos aqueles que têm a clarividência do quanto o mundo está chato. Assim, mandatória e absolutamente indiscutível, a Alegria – esse valor indiscutível, universal e impositivo – deve ser empurrada goela abaixo de todos! É o que pensamos, e ponto! Os mal humorados, os rancorosos, os sem graça, os chatos, que se curvem todos. Se não curtem nossa alegria abundante, nosso barulho invasivo, nossa bebedeira permanente, a sujeira que fazemos e espalhamos, a urina que derramamos pelas ruas, as mortes que causamos bêbados no trânsito e os abortos das estupradas em nome da brincadeira; bem, se esses não aceitam de bom grado a alegria que lhes impomos (para seu próprio bem), então que se mudem! Os incomodados que se mudem. O Brasil é nosso! É nosso, entenderam? Molestamos os recalcitrantes em nome da alegria, uma coisa do bem. Alguém duvida disso? Incomodamos em nome da gargalhada e da inconsequência, do direito que todo mundo deve ter de escapar de si mesmo, de seus problemas e dos problemas dos outros. Subtraímos direitos e garantias individuais porque sabemos que os molestados um dia nos agradecerão por isso. Desprezamos a hipótese de que sejamos mal recebidos, afinal, quem poderia receber mal alguém que já chega rindo, bebendo, gritando de felicidade incontida? A privacidade alheia que violamos, o direito à introspecção que trituramos, são sempre substituídos por algo melhor: a irrelevância de um pensamento vazio, a banalidade de uma existência fútil e dedicada apenas à fruição do prazer mais boçal, mais agressivo e mais ilimitado que possa ser. Nosso propósito é, pois, substituir algo por nada, a substância pelo vácuo, a reflexão pelo zumbido. É nossa maneira peculiar de tornar o mundo melhor. Assim, por favor, não nos critiquem porque carnavalizamos e alegramos o ambiente diante de desmoronamentos, problemas econômicos, desgovernos, corrupção generalizada, and so on. Se ainda não perceberam, nossos conceitos, preceitos e valores podem caber num dedal, mas pelo menos nós gargalhamos diante de tudo! Não é bonito? Pra nós, a vida é mais leve. Pelo menos, é o que achamos, e pra nós já basta.”