A Olimpíada que derrotou Trump. Por Haroldo Lima
A Olimpíada que derrotou Trump
Haroldo Lima
… o mundo viu, na abertura da Olimpíada de Inverno de 2018, um espetáculo esteticamente bonito, tecnologicamente primoroso e politicamente avançado: embora ainda tenha muito caminho a percorrer e os Estados Unidos podem tentar atrapalhar tudo, o que se viu porem, nesse primeiro momento, foi a vitória do caminho da Paz e do entendimento sobre o caminho da Guerra e do isolamento…
Foi um espetáculo primoroso. Na abertura da Olimpíada de Inverno de 2018, na noite gelada de 9 de fevereiro passado, em Pyeongchang, na Coreia do Sul, uma jovem da Coreia do Norte, outro jovem da Coreia do Sul, abriram o cortejo da equipe coreana segurando juntos, garbosamente, uma só bandeira, a da Coreia unificada. Patenteava-se assim que, na renhida disputa entre o caminho da paz e o da guerra, para tratar dos problemas existentes entre as duas Coreias, pelo menos nesse primeiro momento, ganhou o caminho da paz e do entendimento e foi rotundamente derrotado o caminho da guerra, tão propagado pelo tonitruante presidente americano, Donald Trump. Assim as coisas se passaram.
A Coreia foi ocupada pelos japoneses ao final do século XIX. Nos primeiros anos do século XX, o Japão a incorporou como se fosse território japonês, até o fim da II Guerra Mundial.
Nesse meio século de domínio, o Império japonês agiu na Coreia com uma violência e crueldade poucas vezes vistas na história. Tramou acabar com a Nação coreana, através da assimilação cultural de seu povo de 23,5 milhões de pessoas à época. Baniu o ensino e o uso da língua coreana, a literatura nacional, a tradição e a cultura. Obrigou a população a adotar nomes japoneses, levou-a ao trabalho forçado, a participar das forças armadas do Japão e a se deslocar para lugares distantes de suas famílias. Em 1942, 1/3 da força de trabalho japonesa era coreana. Quando os Estados Unidos lançaram bombas atômicas contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, 25% dos que por lá morreram eram coreanos.
O Exército japonês, nesse trágico período, impôs ao povo coreano uma das maiores ignomínias que um opressor jamais impôs a um povo oprimido: a “instituição” das “mulheres de conforto”, ou “mulheres de alívio”, que prostituiu cerca de 200.000 mulheres e adolescentes, em um crime de torpeza inimaginável.
Finda a II Guerra, na Conferência de Potsdam, (julho/agosto de 1945), os Aliados vitoriosos decidiram dividir a Coreia, sem nenhuma consulta ao seu povo. Uma Comissão Americano-Soviética passou a administrar a península.
O contexto já era da Guerra Fria e, por isso, o lado americano foi predominando no Sul e o soviético no Norte. Em maio de 1948, uma eleição foi feita no Sul e, em agosto do mesmo ano, outra ocorreu no Norte. Um governo anticomunista implantou-se no Sul, um comunista no Norte. Com uma diferença: à frente do governo do Norte ficou um herói da luta guerrilheira contra o Japão, Kim Il-sung, que é o avô do atual Kim Jong-un.
Incidentes de fronteira evoluíram para uma guerra, a Guerra da Coreia, em 1950. Os Estados Unidos entram na guerra em junho de 1950, acobertados pela ONU, e ocuparam quase toda a parte norte da Coreia, aproximando-se da fronteira com a China. Diante dessa ameaça,a China envia ao combate 300.000 soldados.
Foi uma guerra sangrenta. O exército americano foi expulso de todo o norte da península e recuou até o paralelo 38, onde um armistício foi celebrado em 27 de julho de 1953, reconhecendo a autonomia de todo o norte. Passou a existir duas Coreias, que não fizeram a paz até hoje, vivem num cessar-fogo.
O anseio pela união entre as partes é grande dos dois lados. Há dificuldades várias para que isto aconteça, mas o grande empecilho é causado pelos Estados Unidos. Sua enorme presença militar na região, sua hegemonia sobre os aliados asiáticos e o papel geopolítico que querem manter naquela parte do mundo, colocam a guerra sempre na ordem do dia.
As posições dos aliados são definidas pelos americanos, que desconsideram os interesses locais e os problemas históricos. Em 10 de janeiro de 1917, por exemplo, a Coreia do Sul se recusou a participar de treinamentos militares com os EUA e o Japão porque eram contra submarinos chineses.
Acordos que envolvam a Coreia do Sul e o Japão, maior aliado americano na Ásia, suscitam constrangimentos, pois qualquer Coreia guarda mágoa histórica do Japão. A chaga das 200.000 “mulheres de conforto” permanece aberta. Mulheres, estudantes e artistas protestam permanentemente contra esse opróbio, na Coreia do Sul.
Em 2015, o Japão assinou um acordo com o governo direitista da Coreia do Sul, pelo qual o Império pediu desculpas aos coreanos e forneceu 10 milhões de dólares como reparação às vítimas e familiares das vítimas. Com a recente ascensão ao poder na Coreia do Sul de Moon Jae-in, um católico, ativista de direitos humanos, de posições de centro-esquerda, que já foi preso por liderar protestos, o acordo passou a ser criticado, inclusive pelo próprio Moon. Artistas fizeram, há pouco, diversas estátuas homenageando as “mulheres de conforto”. O Japão ficou irritado.
É nesse quadro de graves problemas que o presidente Trump, desde sua posse em 20 de janeiro de 2017, colocou em destaque a hipótese da guerra com a Coreia do Norte para “resolver” os problemas que perduram. Começou a destrata-la e a ameaça-la. O líder Kim Jong-un é chamado de “pequeno homem foguete” e a ameaça à Coreia do Norte é simplesmente a de sua “destruição total”.
De sua parte, a Coreia do Norte, para evitar que os Estados Unidos a trucidassem como fizeram com o Iraque, Líbia, Afeganistão e tantos outros, intensificou seus preparativos de defesa e passou a fazer com mais rapidez o que buscava há tempos, o poder de dissuasão de armas nucleares, no que conseguiu êxito.
As ameaças americanas, cada vez mais agressivas, levantavam o risco de um incidente ou de um mal-entendido desastroso. A Coreia do Norte respondia na mesma moeda. Autoridades mundiais pediam cautela. A China e a Rússia, atentas para a tragédia para o mundo que adviria de um confronto nuclear, lideravam os países que tratavam de acalmar os ânimos. Francisco, o papa, pediu para que duas atitudes básicas fossem observadas, o “diálogo e o respeito mútuo”, não às ameaças e não ao tratamento depreciativo.
No alvorecer de 2018 o líder Kim Jong-un fez um pronunciamento de enorme significado. Dizia que seu país completara o esforço para responder à altura qualquer ameaça de qualquer país; que, portanto, estava seguro que os Estados Unidos não o atacariam; que, sendo assim, era oportuno retomar as tratativas com a Coreia do Sul e buscar diminuir a tensão na península; que desejava sucesso para a próxima Olimpíada de Pyeongchang e que seria boa a participação da Coreia do Norte. A Coreia do Sul imediatamente respondeu favoravelmente a tudo que foi proposto.
Assim, o mundo viu, na abertura da Olimpíada de Inverno de 2018, um espetáculo esteticamente bonito, tecnologicamente primoroso e politicamente avançado: embora ainda tenha muito caminho a percorrer e os Estados Unidos podem tentar atrapalhar tudo, o que se viu porem, nesse primeiro momento, foi a vitória do caminho da Paz e do entendimento sobre o caminho da Guerra e do isolamento.
IMAGEM ABERTURA:
Uma representante da Coreia do Sul e outra da Coreia do Norte carregaram juntas a tocha até a pira
* Haroldo Lima – é engenheiro, consultor na área de petróleo, ex-deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. É membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Estranho o colunita não citar nenhuma vez que o Ping Pong FU fabricou e explodiu bombas atômicas e está ameçando o mundo todo com os foguetes que podem levar uma destas bombas. Você não negocia com quem está apontando uma arma , Geraldo Alckimin disse isso depois que a polícia neutralizou os bandidos. O mesmo acontece com a Coreia do Norte, apontam armas para a cara do mundo e o colunista puxa o saco dos caras.