Onde enfiar o acento? Por Josué Machado
ONDE ENFIAR O ACENTO?
Ou POR QUE “HÍFEN” COM ACENTO E “HIFENS” SEM ACENTO?
Por Josué Machado
As terminadas em –EN só serão acentuadas no plural se tomarem, quando possível, as formas paralelas proparoxítonas, menos usadas porque em geral soam como inocentes palavrões: albúmenes, alúmenes, certâmenes, glútenes, hífenes, hímenes, líquenes, pólenes, etc…
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Acentuação numa hora destas?
Sim, por que não? Só porque o mundo está a ruir?, perguntaria Eça. Pois que se dane o mundo, que a vida continua.
E se alguém atira num acento e acerta noutro, o que fazer?
O fato é que a acentuação de palavras em português produz resultados curiosos, como são curiosos estes tempos líquidos de queda e ascensão de falsos ídolos. Basta procurar os que caem e os que sobem. Surpresas variadas. (“Tempos Líquidos”, do filósofo Zygmunt Bauman [1925-2017]).
Mas pousemos nos acentos. Por exemplo, os das palavras terminadas em “EN”.
Um dia destes alguém escreveu que o revisor de determinado jornal “havia se esquecido de usar os hífens em determinadas palavras compostas”. Sim, o revisor dos revisores escreveu “HÍFENS”, com acento.
Um engano dele. Sem importância para nossa existência, mas engano na tentativa de correção equivocada.
Engano, pois o plural “HIFENS” não leva acento, embora o singular “HÍFEN” seja acentuado. Por quê?
Começando do começo.
Das 86 palavras terminadas em “EN” de nossa amada língua, algumas são estrangeiras, embora integradas ao vocabulário português, como haloween, gren, drag queen, röntgen/roentgen (unidade de medida na física), sen (símbolo do seno) e outras.
As outras, a maioria, portanto, estão sujeitas às regras de acentuação gráfica.
Dentre elas, as PAROXÍTONAS (tônicas na penúltima sílaba) terminadas em “EN” são marcadas pela curiosidade de ser acentuadas no singular, mas não no plural:
abdômen/abdomens, albúmem/albumens, alúmen/alumens, Cármen/Carmens, certâmen/certamens, dólmen/dolmens, gérmen/germens, glúten/glutens, hífen/hifens, hímen/himens, líquen/liquens, lúmen/lumens, pólen/polens e outras.
Essas palavras, portanto, são acentuadas no singular, como todas as paroxítonas terminadas em -L, -N, -R, -X e –US; mas, repetindo para ninguém esquecer: as paroxítonas terminadas em –N deixam de ser acentuadas no plural porque passam a integrar o grupo das terminadas em –EM no singular e –ENS no plural — que NÃO se acentuam. Entre elas: bagagem, coragem, desordem, ferrugem, garagem, imagem, jovem, linguagem, nuvem, ontem, ordem, paisagem, passagem, ramagem, selvagem, tatuagem, vagem, viagem, xavecagem, zincagem.
Incluem-se aí formas verbais como: bebem, comem, devem, lambem, etc.
As terminadas em –EN só serão acentuadas no plural se tomarem, quando possível, as formas paralelas proparoxítonas, menos usadas porque em geral soam como inocentes palavrões: albúmenes, alúmenes, certâmenes, glútenes, hífenes, hímenes, líquenes, pólenes, etc.
Coisas do nosso sistema ortográfico, porque, como nos lembramos todos, as palavras acentuadas, embora muitas, são apenas exceções na língua. Pois é, exceções, mesmo assim muitas.
Ah, os acentos…
Sorte dos povos de língua inglesa, livres de acentos desde sempre, fora “learnèd” (letrada), diferente de “learned” (aprendeu) e algumas poucas palavras herdadas do francês, do espanhol e do alemão, incorporadas ao inglês com a grafia original: café, consommée, déjà vu, fiancé/fiancée, frise/frisée, resumé, etc.
E azar dos povos de língua francesa, cujo vocabulário é integrado por palavras com vários acentos: élève, délétère, répétér, entre elas um campeão: hétérogénéité, com cinco gloriosos acentos.
Pode-se concluir que ASSENTOS fofinhos são muito mais úteis do que ACENTOS com suas arestas.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade