Pelo fim da carniça. Por Alexandre Schwartsman

Pelo fim da carniça

Por Alexandre Schwartsman

… Ocioso, no caso, discutir se a iniciativa parte dos compradores ou vendedores; o que importa é que onde há carniça, é para lá que voam os urubus. Assim, se queremos acabar com os urubus, a solução é óbvia: basta acabar com a carniça…
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, 
coluna do autor, edição de 31 de janeiro de 2018
A condenação do ex-presidente Lula é, até agora, o cume de um processo doloroso, em que o país vê expostas as entranhas da corrupção numa dimensão que surpreende até os mais cínicos. Por onde se olhe não parece haver no mundo político convencional alternativa que não esteja ligada, de alguma forma, ao pervasivo fenômeno de exploração do setor público para fins de enriquecimento pessoal, ou financiamento de campanhas (a destinação dos recursos não alivia em nada a sujeira da sua origem).
Já tive oportunidade de explorar aqui as consequências nefastas da caça à renda (da qual a corrupção é a faceta mais tenebrosa) para o crescimento, tema que foi também trabalhado por Samuel Pessoa em sua última coluna com a competência habitual. Em suma, a caça à renda desvia a busca do lucro da inovação para a captura de recursos, levando ao menor crescimento e, portanto, piores condições de vida, processo detalhadamente explicado por Acemoglu e Robinson em “Por que as nações fracassam”, livro indispensável para entender o Brasil e seus dilemas.
Uma vez estabelecida a ligação entre a caça à renda e o baixo desempenho econômico, resta saber como poderíamos romper este elo e, tão importante quanto, se há alguma chance de fazê-lo.
Francamente, não vejo outro modo de acabar com isto que não passe por uma mudança radical da forma como organizamos nossa economia, em particular como o poder público intervém no domínio econômico. Está cada vez mais claro que as diversas dimensões da intervenção estatal na economia oferecem aos caçadores de renda, dentre eles os corruptos, um amplo manancial de oportunidades.
Vimos isto na Petrobras, vimos isto também na compra de medidas provisórias, na busca por desonerações tributárias, na escolha de “campeões nacionais” (JBS, por exemplo), e na enésima tentativa de ressuscitar a indústria naval, para citar, de memória, uns poucos exemplos.
A lista poderia se estender por bem mais do que os 3.200 caracteres aqui permitidos, mas apenas os casos aqui lembrados dão uma ideia, ainda que pálida, das imensas possibilidades de venda e compra de favores que a atual organização econômica do país permite.
Ocioso, no caso, discutir se a iniciativa parte dos compradores ou vendedores; o que importa é que onde há carniça, é para lá que voam os urubus. Assim, se queremos acabar com os urubus, a solução é óbvia: basta acabar com a carniça.
Metáforas de gosto duvidoso à parte (perdão, mas ando bem revoltado), não vejo saída que não passe por ampla privatização e redução drástica da intervenção estatal.
Vai acontecer? A resposta honesta é “não sei”, mas confesso aos raros leitores que não tenho muita esperança que qualquer proposta neste sentido acabe endossada pela população nas eleições. Reclama-se da corrupção, mas ninguém parece seriamente interessado em acabar com sua origem.
* * *
Márcio “Maria Antonieta” Holland ainda não entendeu que minha repugnância se limita às ideias econômicas das quais é veículo, seja na sua insistente divulgação, seja, de forma ainda mais grave, na sua aplicação sob a forma da Nova Matriz, que nos levou à pior recessão em quase 40 anos. Já sua figura pessoal é irrelevante; se me importasse com ela, provavelmente a desprezaria.

 

* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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