MENDONCA S10 SP 07-03-2007 TV&LAZER Jose Marcio Mendonça, jornalista e apresentador do programa Palavra de Quem Decide na Radio Eldorado, em Sao Paulo FOTO CLAYTON DE SOUZA/AE

Zé Marcio – 1943-2018. Coluna Mário Marinho

Zé Marcio – 1943-2018

COLUNA MÁRIO MARINHO

Eu estava ao lado do Moacir Japiassu na modesta redação do Jornal da Tarde, modesta, porém aconchegante e borbulhante de ideia que brotavam daquelas mentes jovens e arrojadas, mentes responsáveis por colocar todos os dias nas bancas um exemplar novo e inovador do JT.

Nossa redação ficava ano 5º andar do prédio da rua Major Quedinho, 28.

Não me lembro quem fez a apresentação daquela figura já um tanto calva, barbuda e com sorriso tímido.

– Esse é o Zé Marcio.

Mordaz, ácido, deliciosamente maldoso Japi não perdeu a chance da piada:

– Ele é padre?

Assim, durante longo tempo, Zé Marcio carregou o apelido de “Padre” na redação do JT.

Foi assim, em momento de bom humor, meu primeiro contato com o Zé. Estabeleceu-se sólida amizade que continuaria após constituirmos família, amizade que passou também para nossos filhos.

O vínculo se fortaleceu mais ainda com um quase parentesco, quando Zé Márcio e Bebel nos convidaram, a mim e à Vera, para sermos os padrinhos da bela Laura, batizado realizado em Brasília, onde o Zé era, então, chefe da sucursal do Estadão.

Zé Márcio trabalhou durante algum tempo na redação do JT, no esporte. Depois, transferiu-se para o Rio de Janeiro onde foi trabalhar na Sucursal, o que lhe deu também o prazer de estar mais perto do Botafogo, seu time do coração.

JOSÉ MARCIO MENDONÇA E ANTONIO CARLOS FON – ENCONTRO JT SEMPRE 2013
JOSÉ MARCIO MENDONÇA E ANTONIO CARLOS FON – ENCONTRO JT SEMPRE – 2013. FOTOS : MARLI GONÇALVES

Nossa amizade tornou-se cada vez mais forte. E nos encontrávamos todo fim de semana, salvo hiatos dos tempos que ele ficou no Rio e, depois já casado, em Brasília.

Sempre um excelente papo uma boa história para contar o Zé Marcio só não abria mão do seu cantinho lá em casa. Era estratégico.

Ele chegava em casa e escolhia a cadeira que ficava num cantinho, de onde ele não saía e evitava ser incomodado. Ninguém pedia para ele fazer nada, nem mesmo pegar uma cerveja na geladeira . Afinal, para sair daquele cantinho, tinha que fazer uns três ou quatro levantarem.

Assim, lá ficava ele posto em total paz e só levantava para ir o banheiro, necessidade que todo cervejeiro conhece e que, quando aparece, precisa ser atendida com urgência. É inadiável.

Fizemos viagens juntos. Numa delas, acredito que em 1976, fomos para Salvador. Eu, ele, Vera e Bebel.

A bela e sempre bem humorada Bebel, cantou durante quase todo o percurso de Guarani (cidade onde nasceram o Zé e a Bebel) até Salvador – um dia e meio de viagem.

Nos divertimos muito quando paramos em São Matheus, Espírito Santo, e entramos em um restaurante para jantar.

O cardápio anunciava com especialidade da casa: “Filé Surpraize”. Embarcamos na surpresa e não nos demos mal.

Chegamos em Salvador por volta das 20 horas e fomos ao endereço do Milton, primo da Bebel que nos hospedaria.

Sem GPS e nenhuma outra modernidade, levei meu Maverick até o endereço certo.

O Milton deu alguns detalhes: um prédio pequeno, três andares. O apartamento dele ficava no último andar, bem de frente para a praia.

Estacionamos o carro e vimos o apartamento iluminado.

– O Milton está em casa, constatou Bebel.

Subimos os três andares e a Bebel sugeriu vamos fazer uma surpresa. A Bebel meteu o dedo na campainha, enquanto o Zé Marcio esmurrava a porta e gritava: “Pode abrir a porta! Eu sei que Você está aí!”

Mais uma ou duas cenas barulhentas, capainha escandalosa, grito, socos na porta e nada – ninguém abria a porta.

Notamos, entretanto, que a luz da sala que fugia pelo vão da porta se apagou.

E nos tocamos: xiiiiiiii, tem alguma coisa errada.

Descemos para o carro, procuramos um restaurante por perto e fomos jantar.

O Milton deve estar com alguma namorada, foi a conclusão que chegamos.

Duas horas depois, concluímos que já havia passado tempo suficiente para que o embate amoroso tivesse chegado ao fim.

Assim, subimos e decidimos nos comportar como civilizados: tocamos a campainha educadamente.

Um sorridente Milton logo abriu a porta e nos recebeu com calorosos apertados abraços.

Quebrado o gelo, Bebel cobrou do Milton delicadamente.

– Nós já estivemos aqui, batemos na porta e Você não nos recebeu.

Milton ficou surpreso e disse que havia chegado em casa há poucos minutos.

Então, contamos o que aconteceu.

Depois de muitas gargalhadas, o Milton explicou:

– Deve ter sido o Bira. Ele é um amigo meu que de vez em quando me pede o apartamento emprestado. Ele é casado, mas tem um namoro com uma jovem senhora que também é casada.

Passamos tempos e tempos nos divertindo com a situação e imaginando cenas: a porta sendo esmurrada por um homem aos gritos de abra essa porta; a campainha tocando sem parar e uma mulher, que parecia histérica, gritando: abre logo! Eu sei que Você está aí.

Alguns dias depois, ficamos conhecendo o Bira. Um baiano típico, sem pressa, fala mansa, barbicha rala no queixo conferindo-lhe um ar intelectual.

– Meu rei, disse ele, nunca passei por situação tão adversa, tão vexatória. A minha amiga entrou em pânico. A gente não achava a roupa para vestir. Me dei conta que em um determinado momento, eu estava com o sutiã na mão. A campainha não parava de tocar; alguém esmurrando a porta. Um homem gritando e a minha namorada berrando no meu ouvido: é o meu marido, esse filho da puta escandaloso. Conheço a voz dele!

Bira tomou mais um gole de cerveja e continuou:

– Confesso que atentei com a possibilidade de pular pela janela. Até cheguei na janela. Mas era muito alto. Achei que enfrentar o corno poderia ficar mais barato.

Rimos muito com a situação que volta e meia lembrávamos. E sempre acrescentávamos um detalhe. Um desses detalhes não teve a concordância do Bira, mas parece ser verdadeiro: dizem que o Bira ficou seis meses sem conseguir uma ereção.

E mais: quando conseguia, se ouvisse o som de uma campainha, por mais firme que o porongo tivesse, desabava e se desmilinguia como manteiga na frigideira quente.

Foram muitos os momentos de alegria, de prazer.

Num triste dia de 2005, eis que Bebel abandona esse mundo deixando órfãos filhos, marido e amigos.

Agora, foi a vez do Zé Márcio que escolheu esse domingo, 21/01/2018 para ir encontrá-la.

Foi também encontrar outros amigos do Jornal da Tarde, que partiram nos últimos três anos: Moacir Japiassu, Sandro Vaia e Anélio Barreto.

Está se formando lá no céu uma redação muito boa. Já deve ter uma excelente e criativa publicação.

Confesso, porem, que não tenho a menor vontade de fazer parte de tão brilhante time. Talvez o jornal de lá seja perfeito, mas eu prefiro as imperfeições terráqueas, que o suave som das santas liras celestiais.

E, aqui, lembro-me do saudoso padre Heli de Oliveira Mendes.

Padre Heli foi pároco da igreja do Senhor Bom Jesus, no bairro Bom Jesus, na periferia de Belo Horizonte, onde morei até os vinte poucos anos, quando me mudei para São Paulo.

Padre Heli foi um santo homem. Fui coroinha na sua igreja, quando tive contato com o latim pela primeira vez, aos nove anos de idade.

Em uma das viagens a Belo Horizonte, resolvemos eu e a Vera visitar o Padre Heli. Ele já estava aposentado, tivera uma perna amputada, consequência da diabetes.

Foi sempre um homem baixa estatura, mas naquele dia nos pareceu ainda menorzinho, encolhido, mas nos recebeu com imenso, gigantesco sorriso.

Conversamos sobre os mais variados assuntos e quando começamos a falar sobre saúde, ele confessou com seu cativante sorriso:

– Sabe, Mário. Tive a perna amputada, tenho alguns problemas de pulmão, mas, olha: eu gosto muito de Deus. Mas ele lá em cima e eu aqui em baixo. Não tenho pressa nenhuma em me encontrar com ele.

Poucos meses depois eles se encontraram.

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
 (DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

2 thoughts on “Zé Marcio – 1943-2018. Coluna Mário Marinho

  1. Linda homenagem ao seu grande amigo! Embora tívéssemos nos encontrado poucas vezes, ele e a Bebel já tinham nos conquistado. Creio que agora ele está feliz, ao lado dela!
    Mitico Godoy

  2. Caro Marinho!
    Mais uma linda Coluna. Muito engraçada a chegada ao apartamento do Bira.
    É história para sempre ser lembrada. Que Zé Marcio esteja bem com os colegas no céu!
    César Camarinha

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