De olhos bem fechados
Há duas formas de se lidar com um problema: uma é reconhecê-lo e procurar formas de solucioná-lo; a outra é fechar os olhos e fingir que o problema não existe, na (vã) esperança que milagrosamente o problema se resolva sozinho e possamos então comemorar nossa estupenda competência.
Digo isto porque não há economista sério no país que não saiba que – usando a desculpinha da política anticíclica – o governo aumentou consideravelmente seu déficit de 2008 para cá, erodindo o trabalho de anos de alguma (embora imperfeita) contenção fiscal. Mesmo o FMI, ultimamente comedido acerca deste tema, também se manifestou a respeito, ecoando vários analistas locais, dentre os quais orgulhosamente me incluo.
A despeito disso, o governo federal, responsável pela maior parcela da deterioração fiscal, apresentou na semana passada suas contas relativas a 2010, afirmando ter registrado um superávit primário equivalente a 2,16% do PIB (atentem para o segundo dígito após a vírgula), batendo a meta de 2,15% do PIB (a sutileza é marcante). Mesmo sem entrar nos detalhes do saldo recorde registrado em dezembro, atingido com uma queda algo suspeita dos gastos de custeio (que costumam saltar nesse mês), também todo analista fiscal sabe muito bem como este resultado reflete muito mais truques contábeis, do mesmo tipo que a Grécia fez antes de ter que encarar a triste realidade, do que qualquer resquício de disciplina fiscal.
Em setembro de 2010, por exemplo, na esteira da operação de aumento do capital da Petrobrás, o governo federal promoveu um espetáculo mambembe de mágica contábil, colocando, à vista de todos, o coelho na cartola, para triunfalmente retirá-lo como se ninguém soubesse como ele teria ido parar lá. Concretamente, o governo cedeu à Petrobrás os direitos de exploração do pré-sal por R$ 75 bilhões, recebendo em troca R$ 43 bilhões em ações da empresa, contabilizando a primeira como receita e a segunda como despesa, ficando a diferença (R$ 32 bilhões, ou 0,9% do PIB) registrada como se fora superávit do governo.
Mesmo se ignorarmos que boa parte desses R$ 32 bilhões refere-se a ações da Petrobrás compradas pelo Fundo Soberano do Brasil e pelo BNDES (outros braços do governo federal), pergunto: os R$ 75 bilhões em receitas tiveram o mesmo efeito que teriam R$ 75 bilhões de tributos arrecadados, no sentido de reduzir a renda das famílias e seu consumo? Certamente não, pois se trata de mera cessão de ativos que só irão produzir algo daqui a alguns anos (e produziriam mesmo se a cessão não houvesse ocorrido).
Da mesma forma, alguém com mais de oito anos acredita que o gasto do governo na aquisição dos papéis da empresa teve algum impacto sobre a demanda e a capacidade produtiva do país como teriam, por exemplo, R$ 43 bilhões investidos na ampliação de aeroportos e da indecente malha rodoviária?
Vale dizer, a balela contábil não teve qualquer repercussão sobre o lado real da economia. O suposto superávit de R$ 32 bilhões resultantes desta pirotecnia primária não ajudou em nada a compensar os efeitos sobre a atividade econômica doméstica do aumento persistente do gasto federal (9,4% acima da inflação). O único resultado palpável foi a destruição final da credibilidade das estatísticas fiscais.
Ao mesmo tempo, a inflação, impulsionada, entre outros fatores, pelo excessivo aquecimento da economia (visível, por exemplo, na inflação de serviços beirando 8% nos últimos 12 meses), forçou o Banco Central a retomar o processo de aperto monetário interrompido em meados do ano passado.
Agora o governo federal acena com promessas de cumprimento da meta fiscal, que, finalmente admite, poderia evitar aumentos ainda maiores das taxas de juros. Isto dito, como acreditar nas promessas de quem ainda se recusa a abrir os olhos e aceitar a responsabilidade pela maior farra fiscal dos últimos 15 anos?
Não há nenhum desequilíbrio fiscal abaixo da linha!
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(Publicado 2/Fev/2011)
"…colocando, à vista de todos, o coelho na cartola, para triunfalmente retirá-lo como se ninguém soubesse como ele teria ido parar lá."
Essa foi a melhor representação do fato que já lí! hahahaha
Daniel
Nem o Mr. Wolfe dará conta de limpar toda a sujeira que o ilustríssimo bufão fez nas contas públicas.
Mr Wolfe?
Alex, segundo seus calculos, cada ponto percentual de elevaçao do superavit primario (via corte de gastos) permitiria em quanto a reduçao da taxa Selic?
E se o ajuste fiscal for feito via elevaçao de receitas?
BR
Alexandre,
Nessa mesma linha de pessamento de investir os 43 bi nossa precária Infraestrutura seria muito melhor investir os 34 ou mais bi do trem bala Na reconstrução das cidades atingidas pelas enchentes nós ultimos 5 anos e o dinheiro para Copa e Olimpiadas para a Educação.
Boa tarde Alexandre!
A equipe economica sabe muito bem disto que voce escreveu e bem. Mas os eleitores e militantes acreditam. Para a classe politica e empresarial isto basta. abs
Caro Alex,
No discurso ao congresso, a presidenta Dilma falou em se produzir uma formula de reajuste do salario minimo(reajustes anuais). A idéia, segunda ela é dar uma estrutura de longo prazo para o reajuste do minimo, o que atenderia certas reivindicações sindicais. Nós já não vimos esse filme? Seriam essas cenas de uma reindexação da economia brasileira? Engraçado que a oposição acha acha isso bom . . .
Que pensa (pensam) a respeito?
poe logo o sr. altamir lopes como secretário da fazenda =)
Próximo passo: modificação alquímica no cômputo percentual inflacionário.
Este post é sobre o México?!?