…está em curso uma tentativa de criar uma narrativa (ou várias) que tire do governo anterior a responsabilidade pelo desastre que se abateu sobre a economia brasileira a partir do começo de 2014, do qual só começamos a sair no final de 2016 e começo de 2017…
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, coluna do autor, edição de 17 de janeiro de 2018
“Narrativa” virou uma palavra da moda. Há quem acredite que, mais que uma verdade, só é necessária uma narrativa que possa ser facilmente reproduzida pelos militantes de plantão, o que no contexto da disputa política é possivelmente verdade, mas certamente não quando estamos tentando entender o que de fato ocorreu.
Digo isto porque está em curso uma tentativa de criar uma narrativa (ou várias) que tire do governo anterior a responsabilidade pelo desastre que se abateu sobre a economia brasileira a partir do começo de 2014, do qual só começamos a sair no final de 2016 e começo de 2017.
Não falta quem tente atribuir a recessão bíblica que vivemos ao suposto “austericídio”, apesar do aumento persistente das despesas públicas (R$ 16,5 bilhões, já ajustados à inflação, de 2014 para cá, equivalentes a 1,7% do PIB) e da elevação do déficit público (limpo de “pedaladas” e afins) de 1,2% para 3,1% do PIB no mesmo período, ignorando acintosamente o papel dos erros da política econômica acumulados até o final de 2014.
Tentativa mais sutil de relativizar os erros do período é a de Marcio “Antonieta” Holland, em artigo recente na revista Conjuntura Econômica, em que ensaia um mea culpa, algo envergonhado, mas que esbarra numa série de problemas.
A começar porque quer limitar sua responsabilidade aos aspectos macroeconômicos do desastre, deixando para outros o fardo das intervenções desastradas no domínio econômico, que, como afirmei recentemente, conseguiram ser ainda piores que a política macro.
Quer também atribuir parcela do fracasso à corrupção, deixando convenientemente de lado que as oportunidades para a corrupção generalizada que se observou no período tenham se originado precisamente do intervencionismo patrocinado pela Nova Matriz. Ou alguém em sã consciência acredita que é mera coincidência a concentração de tais atos na Petrobras, exemplo maior da política intervencionista? E as acusações relativas à compra de medidas provisórias, justamente na área das desonerações tributárias, que o próprio Holland associa à Nova Matriz?
Por outro lado, mesmo quando se penitencia, ainda se gaba do crescimento do país entre 2011 e 2013 afirmando “algo parece que deu certo”. Já quando fala do período posterior, lamenta que o estouro do boom de commodities não seja considerado como fator responsável por “pelo menos um pouco da recessão”.
Lógica curiosa: quando o país cresce, é porque “algo deu certo”; já na recessão, invoca-se o preço das commodities.
A verdade é que países latino-americanos como Chile, Colômbia e Peru – que compartilhavam com o Brasil a dependência de preços de commodities (e são muito mais abertos ao comércio internacional, portanto mais sensíveis a esta variável), mas que mantiveram políticas econômicas corretas – sofreram uma desaceleração de seu crescimento da casa de 1,5% a 2,5% entre 2011-14 e 2015-16; já o Brasil passa por uma queda de 6 pontos percentuais (de +2,3% aa para -3,7% aa) no mesmo período e vê seu PIB encolher. Algo parece que não deu certo.
Ao fim da história, temos mais um exercício de equilibrismo do que o reconhecimento do estrago que suas políticas causaram ao país. Ao invés de um longo artigo, Holland poderia simplesmente ter dito: fiz a Nova Matriz, mas não fui eu…
————————————————————– * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS @alexschwartsman aschwartsman@gmail.com