Personagens da Copa – IV. Barbosa: vítima ou vilão? Coluna Mário Marinho

PERSONAGENS DAS COPAS – IV

Barbosa: vitima o vilão?

COLUNA MÁRIO MARINHO

Foi a maior tragédia do futebol brasileiro.

O dia 16 de julho entrou para a história do Brasil pela porta dos fundos: não foi alegre e festivo como todos esperavam, mas triste e cheio de lágrimas.

A última Copa do Mundo havia sido disputada em 1938. Por causa da Segunda Grande Guerra, a Fifa suspendeu as competições que deveriam ter acontecido na década de 1940.

Em 1946 aconteceu o Congresso Mundial da entidade que marcou o ano de 1950 como o da retomada das Copas. O Brasil foi o único país que se candidatou a sediar.

O Maracanã foi construído para ser o grande palco da abertura e encerramento da Copa.

Nossa Seleção, treinada por Flávio Costa, voava baixo.

Em 1949, na disputa do Campeonato Sul-Americano (Copa América), disputado no Rio e em São Paulo, aplicou goleadas memoráveis: 9 a 1 no Equador; 10 a 1 na Bolívia; 5 a 0 na Colômbia; 7 a 1 no Peru; 5 a 1 no Uruguai; perdeu para o Paraguai, 2 a 1, mas, na decisão do título, aplicou-lhe 7 a 1.

Na Copa, as exibições do Brasil foram primorosas: na estreia, 4 a 0 no México; depois, um susto: empate com a Suíça, 2 a 2; vitória sobre a Iugoslávia, 2 a 0; 7 a 1 na Suécia; 6 a 1 na Espanha.

Com esses resultados, entrou na partida final precisando apenas empatar com o Uruguai. Todos se sentiram campeões já no sábado.

A concentração da Seleção Brasileira, na véspera da decisão, foi invadida por políticos e torcedores influentes que queriam tirar fotos ao lado dos futuros campeões mundiais; as emissoras de rádio (ainda não havia televisão no Brasil: ela só chegaria em setembro do mesmo ano) faziam alarde da conquista que ainda viria; o Hino Nacional era ouvido a todo momento; os jornais preparavam edições extras para circular logo após a grande conquista do domingo.

Aí, residiu o grande erro. Não se ganha jogo na véspera.

Para delírio das quase 200 mil pessoas que lotaram o Maracanã, o Brasil, que só precisava empatar, fez 1 a 0 logo no primeiro minuto do segundo tempo, com Friaça. A taça estava na mão. Mas o valente Uruguai foi à luta e empatou aos 21 minutos. Ainda estava de bom tamanho: era só manter o resultado. Mas esqueceram-se de combinar com Ghiggia que, aos 34 minutos, fez 2 a 1.

O desespero tomou conta do Maracanã. As pessoas se olhavam incrédulas. O impossível estava acontecendo.

Quando o juiz terminou o jogo, os torcedores nem tinham ânimo para sair do Maracanã: se deixavam ficar prostrados, abatidos, em lágrimas. No gramado, os uruguaios comemoravam um título em que nem mesmo eles não acreditavam.

Para qualquer tragédia é preciso encontrar um culpado.

Para uma imensa tragédia, um imenso culpado.

Não demorou muito e o culpado apareceu: o goleiro Barbosa que levou aquele terrível gol do hábil e veloz Gighia, o gol que não poderia ter tomado.

Barbosa foi um excelente goleiro, acostumado a fazer defesas difíceis.

Não cheguei a vê-lo jogar. Assisti a tapes que reprisaram muitas de suas defesas e que também eternizaram aquele maldito gol.

Nunca ouvi alguém falar mal da pessoa Barbosa. Nas fotos, que só via a partir de 1950, ele sempre me pareceu triste.

E esse gol foi tão marcante que não me esqueço de uma conversa com o meu tio, Luiz Ferreira.

Acredito que foi logo após a conquista do mundial de 1958.

Meu tio Luiz, que foi um excelente jogador, goleador e amava o futebol (um detalhe: ele sempre entrava em campo com uma nota de cinquenta cruzeiros na chuteira, dizia que dava sorte. E devia dar mesmo, pois todo jogo ele deixava o golzinho dele).

Pois meu tio, que morava em Belo Horizonte, me contou naquela época que a primeira vez que ele foi ao Rio de Janeiro, fez questão de ir ao Maracanã. Nem se lembrava a que assistiu mas se lembrava de um detalhe: “eu ficava olhando para aquelas traves, onde o Barbosa tomou aquele gol. Ah!, Barbosa…” suspirava ele.

É possível que, para ele, o Barbosa tenha sido o culpado. Muitos pensavam assim.

Revendo a precária filmagem do lance, não se pode dizer que Barbosa falhou. Vejam:

O primeiro gol do jogo, gol de Brasil, marcado por Friaça, a um minuto do segundo tempo, parece sim ter sido falha de Máspoli, o grande goleiro do Uruguai.

Mas, ele foi campeão do mundo. E toda falha é perdoada.

Ninguém se lembrou de tantos gols perdidos pelo ataque naquela fatídica tarde. E foram muitos.

O que ficou foi o gol que Barbosa não evitou.

Conheça mais sobre a carreira desse grande goleiro.

BARBOSA, CONDENADO POR UMA VIDA INTEIRA

– Barbosa –

Moacyr Nascimento Barbosa

(*Campinas-SP, 27/03/1921 +Santos-SP, 07/04/2000)

Posição – Goleiro

Jogos – 22 (16 vitórias, 2 empates, 4 derrotas, sofreu 29 gols)

Copas que disputou – 1950

Títulos pela Seleção – Campeonato Sul-Americano (1949), Taça Rio Branco (1950).

Clubes em que jogou – Ypiranga-SP, 1942 a 1944; Vasco-RJ, 1945 a 1955; Santa Cruz-PE, 1955 a 1956 e 1958 a 1960; Bonsucesso-RJ, 1957; Campo Grande-RJ, 1961 a 1962.

Até a Copa de 1950, Barbosa era considerado um grande goleiro, quase infalível. A derrota e o gol de Ghiggia que deram o título ao Uruguai caíram como uma maldição sobre os seus ombros e sua história.

História profissional de Barbosa começa a ser contada em 1942 quando chegou ao Ypiranga, em 1942 (antes jogou por times amadores da Capital paulista), até se transferir para o Vasco, em 1945. No time carioca conheceu o auge de sua carreira e vestiu sua camisa até 1955. Fez parte do grande time vascaíno apelidado de “Expresso da Vitória”, campeão carioca de 1945, 1947, 1949, 1950 e 1952. Foi também campeão sul-americano de clubes, em 1948, e sul-americano pela Seleção Brasileira, em 1949.

Na final desta Copa de 1950, o Brasil precisava apenas do empate e o jogo estava 1 a 1, quando o atacante uruguaio Ghiggia entrou pela direita, venceu Bigode e, de dentro da área, ameaçou cruzar e chutou forte entre Barbosa e a trave. Foi o gol do título. E da desgraça de Barbosa.

Sobre ele, escreveu o excelente cronista Armando Nogueira:

“Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera.”

E Barbosa disse, sobre si mesmo: “No Brasil, ninguém é condenado a mais de 30 anos. O único que teve condenação maior fui eu, pois durou a vida toda.”

IMAGEM ABERTURA: O gol que calou 200 mil brasileiros no Maracanã

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
 (DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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