O Cobrador. Por Alexandre Schwartsman
O Cobrador
Por Alexandre Schwartsman
…A ideia, que permeia tipicamente o “pensamento” de esquerda, é que avanços da produtividade resultariam em redução do nível de emprego, apesar de evidências avassaladoras em contrário.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 29 de novembro de 2017
A história é provavelmente apócrifa e há relatos semelhantes com outras pessoas, mas, como aprendi com Neil Gaiman, uma história não precisa ter ocorrido para ser verdadeira.
De qualquer forma, conta-se que Milton Friedman, em visita à China, teria perguntado o porquê de, em determinada construção, trabalhadores usarem pás ao invés de máquinas, ao que o burocrata que o acompanhava teria respondido que se tratava de um programa de empregos, motivando o seguinte comentário: “Ah, achei que vocês estavam construindo um canal; se querem emprego, vocês não deveriam dar aos trabalhadores pás, mas colheres”.
Digo isto, claro, a propósito da decisão da Câmara Municipal do Rio de eliminar a figura do motorista-cobrador, comemorada por luminares da esquerda como Marcelo Freixo. Embora o pretexto tenha sido garantir “menos estresse ao motorista e mais segurança na condução do veículo”, a lógica por trás da proposta era a velha proposta ludita, igual, em espírito, por exemplo, à do deputado (e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação!), Aldo Rebelo, que proíbe bombas de autosserviço em postos de gasolina.
A ideia, que permeia tipicamente o “pensamento” de esquerda, é que avanços da produtividade resultariam em redução do nível de emprego, apesar de evidências avassaladoras em contrário.
Aproveitando, por exemplo, a base de dados do Banco Mundial, que permite comparações não apenas entre países distintos, mas também em diferentes momentos, noto que o produto norte-americano por trabalhador entre 1991 e 2016 aumentou nada menos do que 47% (em média pouco mais do que 1,5% ao ano). Caso a relação entre emprego e produtividade fosse como a sugerida acima, tal desenvolvimento deveria implicar aumento maciço do desemprego.
…Dentre as 230 economias (países e regiões) listadas, éramos a 89ª em termos de produto por trabalhador em 1991, mas caímos para 112ª posição em 2016 (105ª em 2013)
Ao contrário, porém, durante esse período o emprego cresceu 33% (36% no caso do emprego privado), enquanto a taxa de desemprego caiu de 7% para 5%. Muito embora a comparação ponto a ponto não esgote o assunto, não há qualquer tendência crescente da taxa de desemprego nos EUA; pelo contrário, em que pesem flutuações cíclicas consideráveis (como na crise de 2008-09), se há alguma tendência, é de leve queda do desemprego, independentemente da particular medida que se escolha.
Já no Brasil os desenvolvimentos não foram dos mais auspiciosos: o produto por trabalhador no mesmo intervalo aumentou 16% (0,6% ao ano); usando dados até 2013, desconsiderando os anos de recessão, o avanço fica em 24% (1,0% ao ano). Dentre as 230 economias (países e regiões) listadas, éramos a 89ª em termos de produto por trabalhador em 1991, mas caímos para 112ª posição em 2016 (105ª em 2013)
O Brasil tem um sério problema de produtividade, que vem se agravando, mesmo antes da recessão mais grave da história recente. Obviamente isto não se deve exclusivamente à obrigatoriedade de frentistas (ou cobradores), mesmo quando desenvolvimentos tecnológicos tornam obsoletas estas funções.
No entanto, a reação dos setores afetados pelas mudanças tecnológicas e a rapidez com que políticos, principalmente dentre os autodenominados “progressistas”, abraçam estas causas perdidas colaboram, e não pouco, para a perda persistente de competitividade na arena internacional.
Mas querem, em compensação, controlar câmbio e juros…
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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS