Brazilian lives matter. Por José Horta Manzano
VIDAS BRASILEIRAS CONTAM
Nós nos recusamos a enxergar, mas os estrangeiros veem. A artista americana Beyoncé acaba de lançar uma campanha de assistência às famílias brasileiras que passam fome.
Quando se fala em populações que passam fome, nós, os bem alimentados, costumamos imaginar que isso só ocorre em terras distantes – Etiópia, Sudão do Sul, Eritreia – lugares que a gente só conhece de ver no mapa.
Temos dificuldade em admitir que nosso país abriga legiões de malnutridos. Não estou a falar dos que sofrem as consequências de eventual catástrofe; falo dos famintos crônicos, pessoas com quem cruzamos na rua, que vivem nas mesmas cidades que nós, gente que carrega uma chaga invisível que temos grande dificuldade em reconhecer. São um mundaréu de gente que ninguém vê.
Ainda que pareça exagero, a verdade é que o Brasil é um país onde a fome é crônica. Sempre foi assim, e continua. Os dirigentes lulopetistas, mais preocupados em meter a mão nos cofres da República, demoraram mais de 13 anos no andar de cima, mas não resolveram o problema. Bolsonaro, mais preocupado em comprar apoio (com nosso dinheiro) para perpetuar-se no poder e assim escapar de futuros processos, não está nem aí para o drama dos que têm fome dia após dia. A pandemia, por seu lado, só fez piorar o quadro.
Nós nos recusamos a enxergar, mas os estrangeiros veem. A artista americana Beyoncé acaba de lançar uma campanha de assistência às famílias brasileiras que passam fome. Dá muita vergonha ver nosso país na situação dos que têm de estender a mão pra poder sobreviver. Exatamente como os paupérrimos Sudão e Eritreia – é assim que somos vistos.
No entanto, dinheiro há. O que não há (nem nunca houve) é o desejo sincero de resolver o problema da pobreza no Brasil. Se outros países que já foram pobres lograram eliminar a miséria, por que não conseguimos nós?
Em 1970, nosso PIB per capita era de US$ 450, ou seja, 60% maior que o da pobre Coreia do Sul, com seus US$ 280. Passaram-se 50 anos. O Brasil descobriu petróleo, se livrou do regime militar, abriu zilhões de faculdades (de beira de estrada), botou ladrões de colarinho branco na cadeia (que logo foram soltos), mandou até um astronauta passear (de carona) no espaço. A população mais que dobrou de tamanho. E o país não deslanchou. Em 2018, nosso PIB per capita foi de US$ 9.080. Por seu lado, com investimento maciço na Instrução Pública, a Coreia conseguiu, no mesmo ano, um PIB de US$ 32.730, ou seja, quase 4 vezes o do Brasil.
Faço votos para que a campanha de dona Beyoncé traga algum alívio às barrigas que roncam em nossa terra porque, se depender de nossos eleitos, vão continuar roncando.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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