Depois da crise não é mais moda citar Alan Greenspan, mas o ex-presidente do Federal Reserve acertou na mosca quando afirmou que “a incerteza não é apenas uma característica comum no panorama da política monetária; é a propriedade que define este panorama”. De fato, decisões relativas à taxa de juros envolvem não apenas o já complicado julgamento da situação em que a economia se encontra, mas, ainda mais importante, estão intimamente relacionadas à evolução futura da economia, em particular as previsões sobre a trajetória da inflação.
Entretanto, se isto é verdade, como podemos julgar o mérito destas decisões? Certamente não como engenheiros de obras feitas que, tempos depois, sabendo o que efetivamente ocorreu, se arrogam dizer se uma decisão foi correta ou não. Por outro lado, minha experiência com meu irmão no fim de semana nos dá pistas de como abordar o problema.
Costumamos aos domingos fazer um longo (cerca de 48 km) passeio de bicicleta pela cidade, atividade das mais prazerosas, sem contar que o consumo calórico do exercício nos permite almoçar sem culpa, outra prática bastante agradável. No último domingo, porém, o céu fechado anunciava grande chance de chuva. Sem saber se esta viria ainda pela manhã tivemos que decidir se seguiríamos com nossos planos, ou se deixaríamos para hoje, feriado, afinal de contas.
Escolhemos, por fim, ficar, pois havia a flexibilidade do passeio pouco depois (se não chover hoje!) e porque, no nosso entendimento, o desprazer de retornarmos ensopados (ponderado pelo risco de chuva) nos parecia muito maior que o prazer da pedalada (também ponderado pelo chance de não chover). A verdade é que choveu, mas a escolha não pode ser considerada acertada pelo que efetivamente ocorreu, mas sim porque – à luz da informação disponível no momento da decisão – tomamos a decisão que maximizava nosso prazer esperado naquele domingo.
Caso me tenha restado algum leitor após a breve crônica de como um economista justifica sua opção por não andar de bicicleta num domingo nublado, chamo a atenção para os paralelos com as decisões mais recentes de política monetária do BC. Concretamente, o BC reduziu a Selic em meio ponto percentual e acenou com novas rodadas de corte, justificando sua decisão por conta dos riscos associados à crise internacional.
Na verdade, de acordo com as previsões do próprio BC em seu Relatório de Inflação, caso a Selic se mantivesse em 12,00% ao ano, a inflação convergiria para a vizinhança da meta (4,5%) por volta do terceiro trimestre de 2012 e lá se estabilizaria. Por outro lado, caso a taxa de juros continuasse a ser reduzida (até 11% ao ano), as otimistas projeções do BC sugerem que a inflação cairia até 5%, e acima da meta permaneceria, no mesmo horizonte temporal.
Em outras palavras, as próprias previsões do BC não validariam a continuidade do processo de afrouxamento monetário. A única justificativa para isto seria uma aposta num cenário alternativo a tais projeções, qual seja, que uma crise externa se materializaria e acabaria por produzir a desaceleração do crescimento necessária para trazer a inflação de volta à meta.
Nos termos do exemplo acima, o BC agiu como alguém que tem a convicção que a chuva não virá, e que, portanto, pode pedalar à vontade. No entanto, não parece ter ponderado o custo da não-ocorrência da crise externa, que o forçaria a voltar a subir taxas de juros no ano que vem.
Posto de outra forma, apesar de afirmar o contrário, o BC agiu como se dispusesse de uma bola de cristal e pudesse apostar com base nela. Agora se vê na incômoda posição de torcer por uma crise de grande magnitude, sem o que enfrentará decisões ainda mais complicadas em 2012. Uma decisão que o torna um apostador, ao invés de administrador de riscos, não pode estar correta, independente do que ocorra no futuro.
Tomara que venha o ás, tomara que venha o ás…
(Publicado 12/out/2011)

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21 thoughts on “Chove chuva

  1. Alex, e ainda iniciou o afrouxamento monetário com o ipca anualizado lá no alto e com o câmbio valorizado, ou seja, não há espaço para absorver choques que possam desvalorizar a moeda (algo que já ocorreu levemente). Os caras do BC são loucos.
    M.

  2. Alex,

    Parabéns!
    Sua explicação foi muito lúcida e perspicaz.
    Notamos que o BC está perdido entre o que os políticos e economistas do governo querem e o que de fato ocorre com a economia real.
    Por mais alertas de especialistas como você sejam consistentes, o governo joga com cenários aleatórios e que são mais coerentes com a figura que você publicou!

    Abraço!
    Sérgio Ricardo

  3. Alex,

    você trouxe, de forma exata, a imagem que o BC cons(des)truiu nesses últimos meses.

    Política econômica é algo sério, que traz impactos estruturais -não dá para brincar de fazer politicagem.

    O cenário definido pelo BC é bastante claro: se ocorrer uma crise, Tombini & Cia, digamos, vencem; caso contrário, teremos inflação alta e um ambiente bastante complicado de se tomar decisões.

    Aí, sim, gostaria de ver os comentários do pessoal daquela cidade do interior aqui de SP…Baixar os juros na marra não dá: é preciso construir as bases econômicas, institucionais e sociais para isso.

    Abraços, FA.

  4. "a breve crônica de como um economista justifica sua opção por não andar de bicicleta num domingo nublado" …sensacional, comparação perfeita e didática até para não economistas…. um dia vou escrever assim…..

  5. Todos sabem que ex-BCs são disputados a tapa pelo mercado. Aposto um "consol-bond" de 20% que algum hedge fund convidou o Alex após sua saída do BC, para, digamos, fornecer seu expertise. Fico com a impressão, que essa galera está treinando, para esse passo futuro. Os caras estão operando como um fundo macro, mas infelizmente, estão mais para LTCM do que para SorosFund.

  6. É desejável, e necessária, a queda do patamar da taxa de juros de dois dígitos ao ano para um único.
    Economia com juros altos favorece à permanência da inflação em patamar elevado, consistentemente, vide nosso histórico nos últimos 40 anos.
    Talvez o BC, antes de ter invertido a trajetória da taxa de juros, devesse ter tido a prudência de esperar pela estabilização dos componentes com maior peso inflacionário ( manutenção da taxa de juros sem aumento percentual); seria a medida que o leigo aqui acredita ter sido a mais razoável.
    Com certeza, o BC deveria ter lançado mão da inversão na tendência da taxa de juros dos últimos trimestres, com dados substanciais comprobatórios do arrefecimento, mais que pontual, dos pilares inflacionários, numa grave deterioração dos fundamentos econômicos.
    Pode ser que o BC tenha avistado algo que os especialistas ainda não o tenha.
    Qual fantasia emergirá do BC em 2012: um "insider", um apostador ou um visionário?
    Uma fantasia que afeta a imagem.
    A despeito de erros e acertos futuros vinculados a esta, digamos, aposta, adiciona-se ao BC a imprevisibilidade, nefasta característica para tal instituição.
    Suponho que, ao haver um padrão de comportamento da autoridade monetária que embute a imprevisibilidade, cálculos matemáticos poderão ser utilizados na preficicação de tal risco.

  7. A pedalada do Alex foi avaliada sob algumas condições, a decisão do BC foi mais ou menos o seguinte:
    -Tombinho, meu filho, vai pedalar porra!! E nem volta pra casa se o seu PIB estiver a meia bomba, que em 2012 vou precisar dele!
    Fernando A.

  8. Meus caros,
    O problema é que nínguem acredita que o BC tenha feito alguma estimativa sobre o futuro. A análise é bastante simples. O BC não é independente, nosso banqueiro central, infelizmente, não possui nenhuma autonomia operacional. Ao mesmo tempo, está claro que não existe mais meta de inflação (só existe para os puxa-sacos óbvios ficarem falando que a inflação converge para a meta em X trimestres). Por fim, o governo, de forma populista, definiu que os juros nominais iriam cair e isto aconteceu. É só isto. As expectativas são as piores possíveis.
    Saudações

  9. O Kanczuk levantou a hipótese do problema não ser nas probabilidades esperadas, mas na aversão ao risco… hehehe

    Não gostava muito do Kanczuk não, mas o blog têm mudado minha opinião…

  10. Não estou de acordo com a atitude do BC não. Mas me parece que talvez ela tenha sido motivada por uma decisão de "avoid worst-case scenario", mesmo que este não seja o mais provável.

    Procede?

    Luiz

  11. Para animar a galera:

    "CARTA MAIOR: Quanto teria que custar o dólar, em reais, para isso, para haver equilíbrio industrial sem que se tenha a impressão de que chegamos ao caos?

    BRESSER: Algo em torno de R$ 2,30. E tem que chegar lá e administrar para não deixar cair. Com esse patamar, o Brasil iria crescer muito perto do que a China cresce. Sem isso, não cresce nada."

    http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18690

  12. Só rindo mesmo para não chorar!
    Vejam só o comentário (crítica) muito bem formulada pelo Sardenberg diante do recuo do índice de atividade economica:
    "O Banco Central está reduzindo os juros em um momento de inflação alta com o argumento de que a economia está parando e, por isso, não faz sentido manter juros altos. Aí vem o ministro e diz que a economia vai voltar a crescer. Se isso acontecer, desarma o argumento do BC. Como seria de se esperar, Mantega tem dificuldade em admitir que a economia vai crescer menos”, disse Sardenberg.

    Não sou uma pessoa destrutiva, mas se a crise chegar no Brasil com o todo o impacto prometido, teremos o grande benefício de vermos desmacarado esse governo de marqueteiros. É nos momentos de crise e dificuldade que podemos separar os homens dos muleques. A hora que o dinheiro secar, vai ser um tal de um apontar o dedo para outro.

  13. "Não sou uma pessoa destrutiva… grande benefício de vermos desmacarado esse governo de marqueteiros."

    Na realidade acho sua visão otimista. Meu medo é que ao invés de cair a máscara caia a democracia.

  14. Pela bola de cristal do BC e da Fazenda brasileiros, se a UE escafeder-se, melhor para a economia brasileira. Então, os conselhos para a UE sair da crise são real e oficialmente confirmadas, piada para matar alguém de rir. Genial.

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