Na contramão do caminho. Coluna Carlos Brickmann

Na contramão do caminho

COLUNA CARLOS BRICKMANN

EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 29 DE OUTUBRO DE 2017
 Foi uma vitória suada; suada, difícil e cara. Neste momento, dez entre dez analistas dizem que o Governo acabou, que Michel Temer não tem força nem para se livrar da obstrução urinária sem fazer shopping parlamentar. Ficará manquitolando à espera do último dia de seu mandato.
Só que não é assim: vitória suada e cara também vale três pontos. Se, no momento em que enfrentava uma denúncia que poderia afastá-lo do cargo, ele sobreviveu, tem tudo para ganhar forças depois de livrar-se de Janot. O presidente tem muitos fatores a favor: o exercício do poder, que lhe permite preencher o Diário Oficial e dar apoio a algum candidato à Presidência, o fim das denúncias e esplêndidos resultados econômicos. Depende dele: não adianta usar Moreira Franco, Padilha e Eunício para divulgar boas notícias, porque neles ninguém vai acreditar. Mas, abrindo seu Governo à luz do Sol e tirando os suspeitos de sempre de seu lado, terá tudo para virar o jogo.
As exportações por Santos se aproximam de 100 milhões de toneladas, e vão batendo recordes. A balança comercial deve ter superávit de US$ 70 bilhões até o final do ano – recorde absoluto. A taxa de juros, em um ano e pouco de Temer, caiu à metade do que era com Dilma: foi de 14,25% a 7,5%. Há leves sinais de melhora da atividade – que ficarão mais visíveis a partir da taxa de juros mais baixa, que facilita os investimentos. Afastando a turma vetusta para que a equipe econômica cresça, Temer cresce com ela.
A vista…
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) acha que Temer não terá força para votar a reforma da Previdência. Maia deve entender bem os sentimentos parlamentares, ou não se elegeria presidente; mas é verdade, ao mesmo tempo, que sua maior credencial é o pai, César Maia. Antes dos atuais episódios, poucos tinham ouvido falar de Rodrigo Maia.
O fato é que Temer está disposto a votar, ainda neste ano, a reforma da Previdência. Temer também conhece os sentimentos parlamentares, tanto que, sem apoio familiar externo, se elegeu três vezes presidente da Câmara. E, tendo sido quem convenceu Suas Excelências a ficar a seu lado, sabe perfeitamente quanto custa um voto, e qual seu prazo de validade.
…e a prazo
Quem foi abençoado com cargos para votar contra a aceitação da denúncia contra Temer pode, de uma hora para outra, perdê-los: não tem como retirar seu voto. Não pode, portanto, virar oposição a Temer, sem entrar no prejuízo, de uma hora para outra. Para aprovar a reforma, Temer precisará de 308 votos – os 251 que rejeitaram a denúncia contra ele, mais 57. Temer acredita que, entre os 107 deputados governistas que votaram contra ele, há pelo menos 57 favoráveis à reforma. E Suas Excelências sabem que, ao votar contra a reforma, estarão votando contra os cargos que seus partidos tiverem recebido; estarão contra a equipe econômica, bem na hora em que a economia mostra sinais de recuperação; e estarão contra um possível – e forte – candidato à Presidência, o ministro Henrique Meirelles.
A hora do sonho
Quando Meirelles voltou para o Brasil, depois de boa carreira no Banco de Boston, tinha um plano em duas etapas: primeiro, eleger-se governador de seu Estado, Goiás; segundo, tentar a Presidência. Entrou no PSDB, com a proposta de pagar sua própria campanha, sem doações. Havia, entretanto, um obstáculo intransponível: o cacique tucano de Goiás, Marconi Perillo. Meirelles então se elegeu deputado federal.
Nem tomou posse: Lula, eleito ao mesmo tempo, convidou-o para presidente do Banco Central. Mas seu sonho se manteve: está no PSD de Kassab, seu trabalho na Fazenda vai bem, Temer não tem outro nome. Entre Lula (ou poste de plantão), Alckmin e Bolsonaro, Meirelles pode ser o candidato-novidade, sem processos, capaz de viajar a Curitiba a passeio, sem medo, e com Temer.
Atenção em Lula
Lula disse que está na hora de parar de gritar “Fora, Temer”. Por que?
Amigos…
Lula não se transformou, de uma hora para outra, em apreciador de Temer. Soltou até, em Minas, uma frase venenosa (que, embora atinja a posta de sua escolha, derrama mais peçonha no adversário): “Como Deus escreve certo por linhas tortas, as pessoas que diziam que a Dilma era uma desgraça perceberam que Temer era desgraça e meia”.
…inimigos
Na verdade, Lula não tinha como falar isso sem atingir aliados. Quem foi que montou a chapa Dilma-Temer que ganhou a eleição?
Mas Lula provavelmente está estudando o terreno, escolhendo os adversários de campanha. Pois sua caravana, que deve percorrer o país inteiro, não está repetindo o sucesso da Caravana da Cidadania, de antes de se eleger presidente. É pouca gente e muita vaia.

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2 thoughts on “Na contramão do caminho. Coluna Carlos Brickmann

  1. Diz Carlos Brickmann:
    (1.) “[Temer] abrindo seu Governo à luz do Sol e tirando os suspeitos de sempre de seu lado, terá tudo para virar o jogo…” (2.) “As exportações … se aproximam de 100 milhões de toneladas, batendo recordes. A balança comercial … US$ 70 bilhões até o final do ano – recorde absoluto. A taxa de juros … caiu à metade … a 7,5%. … Sinais de melhora da atividade – que ficarão mais visíveis a partir da taxa de juros mais baixa … para que a equipe econômica cresça, Temer cresce com ela.” (3.) “Temer está disposto a votar a reforma da Previdência.” (4.) “a equipe econômica (…) mostra sinais de recuperação; … forte candidato à Presidência, o ministro Henrique Meirelles.”
    Pode ser que eu esteja errada (se estiver, desculpo-me antecipadamente), mas confesso que, a cada nova leitura dos artigos do jornalista (do qual divirjo, mas respeito, e por isso leio), sinto-me noutro país, noutro mundo, numa espécie de universo paralelo. Será que Temer e o governo são tão bons assim, e eu é que não tinha entendido nada…? Pode ser. Sou obrigada a cotejar a possibilidade de que meu entendimento é que seja ruim. De minha parte, porém, Temer continua sendo apenas um corrupto a mais, num país em que, dos intelectuais aos operários, quem não é, parece que quer ser.

    1. Diz Carlos Brickmann:
      (1.) “[Temer] abrindo seu Governo à luz do Sol e tirando os suspeitos de sempre de seu lado, terá tudo para virar o jogo…” (2.) “As exportações … se aproximam de 100 milhões de toneladas, batendo recordes. A balança comercial … US$ 70 bilhões até o final do ano – recorde absoluto. A taxa de juros … caiu à metade … a 7,5%. … Sinais de melhora da atividade – que ficarão mais visíveis a partir da taxa de juros mais baixa … para que a equipe econômica cresça, Temer cresce com ela.” (3.) “Temer está disposto a votar a reforma da Previdência.” (4.) “a equipe econômica (…) mostra sinais de recuperação; … forte candidato à Presidência, o ministro Henrique Meirelles.”
      Pode ser que eu esteja errada (se estiver, desculpo-me antecipadamente), mas confesso que, a cada nova leitura dos artigos do jornalista (do qual divirjo, mas respeito, e por isso leio), sinto-me noutro país, noutro mundo, numa espécie de universo paralelo. Será que Temer e o governo são tão bons assim, e eu é que não tinha entendido nada…? Pode ser. Sou obrigada a cotejar a possibilidade de que meu entendimento é que seja ruim. De minha parte, porém, Temer continua sendo apenas um corrupto a mais, num país em que, dos intelectuais aos operários, quem não é, parece que quer ser.

      Cara Carla, grato pela leitura (e por entender que visões diferentes da realidade, quando honestas, são essenciais para chegar mais perto da verdade).
      Mas vamos lá: este colunista jamais votou em Temer, e esteve entre os que duvidaram de sua candidatura ao Governo paulista (o candidato de Quércia acabou sendo Fleury – e Temer, veja como são as coisas, acabou virando presidente). Não é, portanto, torcedor do presidente, exceto como cidadão, que acharia ótimo que o país estivesse no rumo correto.

      Mas os números, Carla, são números: recorde de exportação por Santos, balança comercial fortemente superavitária, queda à metade da taxa de juros. Pode ser que Temer tenha tido sorte, com retomada da procura de países ricos por commodities; pode ser que boa parte do superávit se deva à recessão, que reduz as importações. Não, não fiz essa análise: para avaliar o efeito político desses números, o que importa é que eles existam. Os economistas que discutam sua causa, não um jornalista que pouco sabe além das quatro operações.

      Caso esses números se sustentem (ou melhorem) no próximo ano, Temer sairá dos ridículos 3% de aprovação. Não vai se transformar num presidente popular, mas será menos impopular do que hoje. Taxa de juros mais baixa deve facilitar alguma retomada do crescimento, com certa geração de empregos, e isso é bom, sempre, para o Governo. E, se a economia se sustentar até o ano que vem, Meirelles será candidato, realizando o sonho de sua vida (e aí amparado por boa parte do empresariado). Ou, caso não seja candidato, talvez se aproxime de Alckmin.

      Quanto à pessoa de Alckmin, Carla, é sempre bom desconfiar do que há por trás de alguém que comanda o PMDB há tantos anos, que circula com Geddel, que é amigo de Padilha, que nomeou Henrique Alves, que não tem a menor preocupação em se aliar ora a Lula, ora ao anti-Lula, seja quem for. Qualquer leitor de Peter Pan lembra o que aconteceu ao Capitão Gancho por ficar muito perto de jacarés.

      E, por favor, continue sendo uma leitora exigente. Para jornalistas, a cobrança é um excelente estímulo.

      Abração!

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