Você já ouviu falar em codicilo? Por Ivone Zeger
Você já ouviu falar em codicilo?
Por Ivone Zeger
– Não? Então lá vai a dica: não é testamento, mas deixa herança –
Poucos conseguem a façanha de, ao falecer, fazer tantas pessoas sorrirem. Foi o caso de Chico Anysio, comediante que teve cenas de seus programas humorísticos reapresentados na televisão, como uma forma de homenageá-lo, após sua morte. Ele deixou expresso em seu testamento a vontade de ter em seu funeral uma homenagem “simples e franciscana”. E que parte de suas cinzas fossem jogadas em sua cidade natal, Maranguape, no Ceará; e a outra parte no Projac, local que reúne os estúdios da Rede Globo.
Não realizar o último desejo de quem falece é algo quase profano. E, à moda de Chico Anysio, rende “causos” e piadas. Como naquele conto de Stanislaw Ponte Preta, “A Vontade do falecido”, em que Seu Irineu Boaventura, dono de pequena fortuna em dinheiro colocada embaixo do colchão, falece e deixa como último desejo que se enterre o dinheiro com ele. Enquanto a família, desalentada, chorava por toda aquela dinheirama posta no caixão, o sobrinho, na hora derradeira do fechamento do esquife, resolve trocar o dinheiro por um cheque! O que faltou ao Seu Irineu Boaventura? Um testamento, explicitando exatamente o valor da fortuna em notas e especificando como o dinheiro deveria ser guardado no caixão.
Esse documento utilizado tem nome, chama-se codicilo. Isso mesmo. Parece nome de bicho, mas não é. De origem latina, essa palavra significa “pequena carta”. O codicilo é um documento no qual a pessoa deixa escrito suas últimas vontades…
Piadas a parte, é interessante perceber como na hora da morte, certas coisas ou situações que até então pareciam muito banais, saltam aos olhos. Por exemplo, quando a avó de uma cliente minha morreu, para além das questões testamentárias, e toda a burocracia com o falecimento, filhos e netos se assombraram com a quantidade de pequenos baús deixados por ela, e em cada baú uma quantidade razoável de pertences e fotos. Quando a confusão estava prestes a se instalar, soube-se que a avó recomendara a um dos filhos a guarda de um documento onde ela determinou para quem se destinava cada baú. E assim foi feito.
Esse documento utilizado tem nome, chama-se codicilo. Isso mesmo. Parece nome de bicho, mas não é. De origem latina, essa palavra significa “pequena carta”. O codicilo é um documento no qual a pessoa deixa escrito suas últimas vontades. Nele, pode-se especificar como deve ser o enterro e que gênero de música deverá ser executada, por exemplo, ou destinar objetos e jóias de pequeno valor, móveis, assim como livros ou coleções de valor afetivo. Também se pode fazer pequenas doações a entidades beneficentes. Já foi mais utilizado no passado, talvez porque antigamente as coisas durassem mais do que as pessoas!
Diferentemente dos testamentos, cuja validade depende, entre outros aspectos, de haver no mínimo três testemunhas, o codicilo não exige a presença ou assinatura de testemunhas. Podem elaborar o codicilo as pessoas consideradas capazes pela lei, alfabetizadas e maiores de 16 anos.
O alcance legal do codicilo é restrito, bem menor do que do testamento. Por exemplo, não se pode legar patrimônio de alto valor, como imóveis. Não se institui herdeiros por meio de codicilo, tampouco é possível reconhecer paternidade ou deserdar um filho.
Dito tudo isso, parece até que não há serventia nesse instrumento jurídico. Mas, ao contrário, por causa da simplicidade de sua feitura – basta a escrita de próprio punho ou pelo computador, assinatura e data –, ele facilita a vida de todos os envolvidos com o falecido e seus últimos desejos. Diferentemente dos testamentos, cuja validade depende, entre outros aspectos, de haver no mínimo três testemunhas, o codicilo não exige a presença ou assinatura de testemunhas. Podem elaborar o codicilo as pessoas consideradas capazes pela lei, alfabetizadas e maiores de 16 anos. E pode ser fechado, ou seja, a própria pessoa que escreve o documento, o costura para mantê-lo em sigilo. Embora, como se pode constatar, o codicilo não exige tantas formalidades legais como o testamento, no caso de ser fechado, a sua abertura segue as mesmas normas do testamento cerrado – ou fechado –, sendo necessária a intervenção do juiz.
Também é possível providenciar o codicilo e o testamento, cada qual com funções específicas. O primeiro deliberando sobre bens de menor valor, ou afetivos, e o testamento a dar conta de dividir o patrimônio propriamente. São documentos independentes, mas um complementa o outro. E pode haver mais de um codicilo, com especificações que se somam, ou ainda, um substituindo o outro. Porém, no caso de haver tanto codicilo quanto testamentos, este deve mencionar aquele. Se não houver no testamento a menção do codicilo, este perde o valor, ou como se diz na linguagem jurídica, é revogado. Porém, é bom que se diga, um codicilo nunca pode anular um testamento.
É interessante que, apesar das restrições, o codicilo pode, eventualmente, indicar o testamenteiro, que é a pessoa que executará o testamento. Essa função pode ser do inventariante ou um dos herdeiros e, nesse caso, podem executar sem custos. Ou ainda, o testamenteiro pode ser um profissional pago para essa função.
Assim, se um testamento em ordem já economiza muitas noites de sono – para quem testa e, depois, para quem continua a tocar a vida –, o codicilo traz a segurança para lidar com as “miudezas”. Para a família, ao evitar discussões e desgastes, o documento traz a certeza de que as providências estão sendo feitas de acordo com a vontade do falecido. No caso da avó de minha cliente, cada um dos filhos ganhou um baú com suas primeiras roupas e fotos das formaturas. Aos netos, a avó deixou baús com os primeiros brinquedos e fotos dela com as crianças no colo. Bonito, não?
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Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br