A desigualdade de tratamento entre quem tem e quem não tem foro privilegiado. Por Marco Antonio Birnfeld
A desigualdade de tratamento entre quem tem e quem não tem foro privilegiado
Marco Antonio Birnfeld
… Decorridos três meses e 22 dias, Alexandre de Moraes ainda não revelou quais os “reflexos importantíssimos” que seriam gerados pela limitação do foro. Assim, o processo em que houve pedido de vista… se transformou num “perdido de vista”…
Originalmente no Espaço Vital, www.espacovital.com.br, 22 de setembro de 2017
A suprema vara criminal
A lista de políticos brasileiros presos revela uma intrigante desigualdade. Estão atrás das grades Sérgio Cabral, Antonio Palocci, Eduardo Cunha e Geddel Vieira, mandados prender por juízes federais de primeiro grau.
Mas Renan Calheiros, Gleisi Hoffmann, Aécio Neves, Fernando Collor, Romero Jucá e dúzias de outros – indiciados, ou já réus por corrupção – estão livres. Entre eles, o indefectível Renan Calheiros, contra quem “tramitam” (?) no Supremo 12 processos – um deles já com dez anos de existência.
Os políticos da primeira lista não gozavam de foro privilegiado, quando foram presos.
Os da segunda lista desfrutam do privilégio, estendido a cerca de mais 30 ou 40 mil indivíduos – ninguém sabe, exato, quantas pessoas (a grande maioria honestas) têm foro privilegiado no Brasil. É que o STF – concebido como corte constitucional – está se tornando uma vara criminal para políticos.
Imagina-se que o número de privilegiados seja um recorde capaz de ir para o Livro Guinness. Mas tem-se a certeza de que a forma como o foro especial é aplicado no Brasil é um jeitinho de desigualdade, e também um fator de impunidade.
As varetas do ministro
Em 31 de maio deste ano, o STF começou a analisar, no julgamento de uma ação penal, uma proposta que restringe a validade do foro privilegiado aos delitos cometidos no exercício do cargo. Corrupção e propinoduto ficariam excluídos da benesse jurídica. A OAB nacional estima que uma vez aprovada a mudança na lei, 90% dos processos com foro especial no STF e STJ seriam enviados à primeira instância.
No segundo dia de julgamento (1º.6), com a continuação da votação, quatro votos foram favoráveis à restrição do foro privilegiado; nenhum contrário.
Mas…o ministro Alexandre de Moraes – ungido por Temer em 22 de março para ocupar a vaga aberta com a morte de Teori Zavascki – resolveu pedir vista. Pretextou que “a questão afetaria um complexo de garantias que têm reflexos importantíssimos”.
E evocou um joguinho que remete à juventude dos anos 50/60: “A alteração na lei é uma coisa mais ou menos como aquele jogo de varetas. Ao mexer uma vareta, você mexe as demais”.
Decorridos três meses e 22 dias, Alexandre de Moraes ainda não revelou quais os “reflexos importantíssimos” que seriam gerados pela limitação do foro. Assim, o processo em que houve pedido de vista… se transformou num “perdido de vista”.
Os que têm foro privilegiado agradecem. (Ação penal nº 937).
Corrupção privada permitida
Uma tese inovadora: “corrupção privada não é crime no Brasil, e assim não é possível investigar alguém no país por essa conduta”. Esta é a essência da impetração de habeas corpus em favor de Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico do Brasil.
Ele quer anular o procedimento que apura sua participação na compra de votos para a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016.
Em habeas corpus apresentado no TRF da 2ª Região (RJ e ES), a defesa de Nuzman argumenta que o ato atribuído a ele – mediar compra de votos de agentes privados – não é crime no Brasil, só na França.
A petição afirma que “como o nosso país não é colônia nem possessão francesa”, o presidente do COB não poderia ser acusado dessa conduta em solo nacional. (Proc. nº 050567956.2017.4.02.5101).
Do baú do Espaço Vital
Potins de 35 anos atrás, época em que Temer, Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Eliseu Padilha e outros ainda não haviam florescido na política:
• “O presidente da República, João Figueiredo, negou esta semana, aval do Governo Federal para que a CBF pleiteasse junto à Fifa que o Brasil fosse sede da Copa do Mundo de 1990. Segundo o porta-voz Carlos Átila, ´a crise econômica recomenda irrestrita austeridade´”. (Jornal do Comércio, 11.03.1981).
• “João Havelange, presidente da CBF, ofereceu a Copa do Mundo ao presidente Figueiredo, que lhe respondeu: ´Você conhece uma favela do Rio de Janeiro? Você já viu a seca do Nordeste? E você acha que eu vou autorizar gastos com estádios de futebol?”. (Colunista Zózimo Barrozo do Amaral, Jornal do Brasil, também em 11.03.1981).
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