Quem nos navega é o mar

O Brasil permanece uma economia bastante fechada
ao comércio internacional. Apesar do crescimento expressivo nos últimos anos, o
comércio representa apenas cerca de um quarto do PIB, deixando o país nas
últimas colocações do ranking mundial
neste quesito. Assim, ao contrário de países como a China, a economia não tem
muito do seu impulso atrelado diretamente ao comércio global. Apesar disso, as
exportações desempenham um papel relevante, a saber, pagar pelas importações
necessárias para sustentar o ritmo forte de aumento do consumo interno. É assim
fundamental entender o excelente desempenho das exportações brasileiras nos
últimos anos.
Há meros dez anos essas equivaliam a pouco mais
de US$ 83 bilhões (a preços de 2011), correspondentes a 0,92% do comércio
global. No ano passado atingiram US$ 256 bilhões, expansão média pouco superior
a 13% ao ano, já deduzida a inflação, cerca de 3 vezes mais rápido que
observado nos 10 anos anteriores e também superior ao ritmo mundial. A
participação no comércio global chegou assim a 1,42%, a maior desde 1955.
Este último resultado parece contradizer a noção
que o Brasil teria apenas surfado na onda de prosperidade mundial. Uma
decomposição simples do crescimento das exportações brasileiras no período
revelaria que quase 30% das novas exportações se originaram do aumento da
participação no comércio mundial, enquanto 65% provêm do aumento do comércio
mundial em si e o restante da interação entre estes dois fatores. De 2009 para
cá o resultado é ainda mais significativo: quase metade das exportações
adicionais resultou da crescente participação de mercado.
As razões para o ufanismo, no entanto, começam a
se dissipar quando aprofundamos ligeiramente a análise. Ocorre que há dois
canais pelos quais um país pode aumentar sua participação no comércio
internacional: as quantidades exportadas podem crescer a um ritmo maior do que
as quantidades transacionadas globalmente, ou os preços dos produtos exportados
podem crescer mais rapidamente do que os preços globais. No caso do Brasil, o
que prevaleceu foi o segundo mecanismo.
Com efeito, entre 2002 e 2011 os preços das
exportações brasileiras aumentaram 163%, enquanto o aumento médio global alcançou
65%. Neste mesmo período as quantidades exportadas pelo Brasil se expandiram
61%, em linha com o crescimento mundial de quantidades (67%). Não é difícil
concluir, portanto, que foi o aumento extraordinário dos preços dos produtos
brasileiros no mercado internacional – fruto do crescimento não menos
extraordinário dos preços internacionais de commodities
– a razão pela qual a participação brasileira no comércio global cresceu de
forma tão acentuada.
Assim, ao decompor o crescimento das exportações
brasileiras de 2002 a 2011 chegamos ao seguinte: como adiantado, 65% se originaram
do crescimento do comércio mundial; 40%, por sua vez, resultaram do aumento dos
preços (relativamente aos globais), cabendo aos demais componentes, inclusive o
crescimento das quantidades, contribuições negativas para a expansão das vendas
ao exterior.
Tais números sugerem que, de fato, o desempenho
exportador brasileiro decorreu de forças globais, sobre as quais o país dispõe
de nenhum controle.  Em particular o
aumento dos preços das exportações relativamente às importações permitiu que
cada unidade exportada pelo Brasil comprasse em 2011 36% a mais do que comprava
em 2002, possibilitando que o consumo crescesse cerca de 1-1,5% ao ano mais
rápido que o PIB nos últimos anos.
A base do crescimento nacional está, pois,
alicerçada em fundamentos externos. Não por acaso as exportações têm perdido o
fôlego em 2012, em linha com o fraco crescimento mundial e a queda no preço das
commodities. Sem esta ajuda, o modelo
de crescimento baseado no consumo encontra limitações crescentes, aparentes no
fraco desempenho de 2012.
Só não olhe para baixo…
(Publicado 29/Ago/2012)

13 thoughts on “Quem nos navega é o mar

  1. De certa forma, este é o mesmo fator que explica a valorização do real nos últimos 10 anos também, certo? Contudo, o governo PT tem lutado contra esta valorização utilizando de intervenções no mercado de câmbio que, em última instância, só atrapalham os ajustes necessários da economia. Ou meu raciocínio estaria errado?

  2. Timoneiro
    Paulinho da Viola

    Não sou eu quem me navega
    Quem me navega é o mar
    Não sou eu quem me navega
    Quem me navega é o mar
    É ele quem me carrega
    Como nem fosse levar
    É ele quem me carrega
    Como nem fosse levar

    E quanto mais remo mais rezo
    Pra nunca mais se acabar
    Essa viagem que faz
    O mar em torno do mar
    Meu velho um dia falou
    Com seu jeito de avisar:
    – Olha, o mar não tem cabelos
    Que a gente possa agarrar

    Não sou eu quem me navega
    Quem me navega é o mar
    Não sou eu quem me navega
    Quem me navega é o mar
    É ele quem me carrega
    Como nem fosse levar
    É ele quem me carrega
    Como nem fosse levar

    Timoneiro nunca fui
    Que eu não sou de velejar
    O leme da minha vida
    Deus é quem faz governar
    E quando alguém me pergunta
    Como se faz pra nadar
    Explico que eu não navego
    Quem me navega é o mar

    Não sou eu quem me navega
    Quem me navega é o mar
    Não sou eu quem me navega
    Quem me navega é o mar
    É ele quem me carrega
    Como nem fosse levar
    É ele quem me carrega
    Como nem fosse levar

    A rede do meu destino
    Parece a de um pescador
    Quando retorna vazia
    Vem carregada de dor
    Vivo num redemoinho
    Deus bem sabe o que ele faz
    A onda que me carrega
    Ela mesma é quem me traz

  3. Alex, soh uma duvida com relacao a frase abaixo:

    "Assim, ao contrário de países como a China, a economia não tem muito do seu impulso atrelado diretamente ao comércio global."

    ja adianto que nao fiz as contas para a china, mas nao seria o crescimento do investimento do governo o grande motor da economia chinesa, ao contrario do comercio externo?

  4. Alex

    Queria entender melhor, se você estiver com tempo para explicar.

    Dada a análise que você apresenta, com base em elementos empíricos e lógicos que me parecem corretos e que, portanto, permite enunciar a conclusão de que "o modelo de crescimento baseado no consumo encontra limitações crescentes", eu pergunto se os termos "limitações crescentes" não poderiam ser substituídos por "indícios da progressiva falência desse modelo de crescimento".

    Ou seja, estamos em um momento no qual é somente é possível observar e afirmar "limitações crescentes", ou esse momento já contém elementos que apontam para algo bem mais grave do que limitações que poderiam ser superadas?

    Seguindo a metáfora do mar que nos navega, agora em águas revoltas e traiçoeiras, será que a potência (a força e a estrutura) do barco/modelo é suficiente para esse mar? O barco vai aguentar esse mar que nos navega?

    É certo que esse meu mau presságio é de passageiro do barco. A pergunta/presságio eu faço ao marinheiro que, melhor que o passageiro, conhece o barco e o mar.

    Abs.

  5. "ja adianto que nao fiz as contas para a china, mas nao seria o crescimento do investimento do governo o grande motor da economia chinesa, ao contrario do comercio externo?"

    Mas os dois estão interligados: já que o consumo na China é baixíssimo,é o comércio que tem a responsabilidade de absorver a produção gerada pelo crescente investimento

  6. anonimo das 18:34,

    se temos Y= C+I + (X-I) + G nao concordo com o que voce escreveu

    olhei rapidamenmte no site da Economist e pude ver que o current acount da china eh algo como 3% do GDP(Y)…ou seja, volto a questao de que eh o I+G que movem a aconomia chinesa e nao o comercio externo. A poupança da populacao eh absorvida pelos investimentos.

    Anon1

  7. Alex Schwartsman,
    Esta passagem do seu post "Quem nos navega é o mar" a seguir transcrita foi tirada de algum quadro ou é um dado de sua memória de algum tempo atrás? Diz você sobre o comércio internacional no Brasil:
    "o comércio representa apenas cerca de um quarto do PIB, deixando o país nas últimas colocações do ranking mundial neste quesito".
    Qual é esse quociente para os Estados Unidos, por exemplo?
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 30/09/2012.

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