O tempo passa. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 13 DE JUNHO DE 2021
Se a eleição fosse hoje, mostra a pesquisa XP (cujo interesse no tema é oferecer aos clientes informações que orientem seus investimentos), Lula bateria Bolsonaro no primeiro turno e no segundo. No segundo turno, todos os candidatos, menos um, bateriam Bolsonaro. Doria empataria com ele.
Bolsonaro tem 60% de rejeição. Seu teto, portanto, é 40%. Difícil ganhar um segundo turno com mais da metade do eleitorado contra. E tem mais: as Forças Armadas, que em janeiro de 2019 tinham 60% de índice de confiança, caíram para 48%. O que mudou no panorama foi a presença de Bolsonaro.
Enfim, há uma série de fatores que indicam que o presidente está fora do páreo (nas notas abaixo, estão alguns deles). Mas há um fator que tem de ser levado em conta: a eleição não é hoje. E um presidente, com a caneta na mão, é sempre um candidato temível. Lembremos que, acima de tudo e de todos, a reeleição é o objetivo de Bolsonaro. Pode-se dizer que não, que pensa em se perpetuar no poder sem voto. No fundo, é a mesma coisa: sabe que seu estilo de governar por atrito não será perdoado ao deixar o cargo. Ele sabe e seus filhos sabem. Fora do poder, sabem também que seus aliados, mesmo que pareçam pazuellos, ficarão ao lado de quem controlar o Diário Oficial.
Em 2022, por lenta que seja, a vacinação atingirá a maior parte do país. Um auxílio-emergência de bom calibre muda votos, sim. Com maior número de beneficiados e um reforço no Bolsa Família, até Paulo Guedes ganha voto.
Lá fora…
Lembre-se de Trump: teve mais votos na tentativa de reeleição do que na eleição. Teve mais votos do que qualquer candidato anterior à Presidência. Foi preciso trabalhar duro para ganhar. E ele ainda tenta provar que venceu.
…aqui dentro
No auge das revelações do Mensalão, Lula em baixa, estava tudo pronto para o impeachment. Mas a decisão das oposições foi deixá-lo sangrando no poder para batê-lo pelo voto. Ele tinha a caneta. Recuperou-se e venceu.
No passado
Em agosto de 1954, a multidão que ocupava o Rio exigia a deposição do presidente Getúlio Vargas. Os heróis do país eram de oposição: Carlos Lacerda, o brigadeiro João Adil de Oliveira (que chefiou o Inquérito Policial-Militar, IPM, que mostrou aquilo que o próprio Getúlio chamou de “mar de lama”), o brigadeiro Eduardo Gomes, maior nome da Aeronáutica, o major Rubens Vaz, morto num atentado de getulistas contra Carlos Lacerda.
Na madrugada de 24 de agosto, Getúlio se matou. De manhã, a multidão tinha virado getulista, queria escalpelar os oposicionistas, atacou as oficinas de O Globo e da Tribuna da Imprensa. E motivou a frase clássica do brigadeiro Eduardo Gomes, quando o motorista perguntou se queria sair rápido dali: “Não tão rápido que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”. O humor do eleitorado é menos constante do que os políticos desejam.
Um, dois…
A inflação subiu para 8,3% em 12 meses, puxada em grande parte pela conta de luz; há risco iminente de apagão da eletricidade. As exportações da agropecuária crescem, o que leva os preços de óleo, carne, frango e porco a subir de tal maneira que o consumo de carnes caiu um terço. O desmatamento na Amazônia é recorde pelo terceiro ano seguido. As relações com os EUA vão mal – tanto que o Brasil está fora das doações de imunizantes. Com a China, vão pior, atrasando a entrega de componentes essenciais de vacinas.
…três, quatro
O número de mortos por Covid está próximo de 500 mil. Bolsonaro disse que o Tribunal de Contas da União o informou de que o número é menor, o TCU o desmentiu. Houve uma leve melhora da economia, puxada por São Paulo, mas 14,5 milhões de desempregados continuam desempregados. Há assessores do Planalto investigados por fazer guerra digital, com dinheiro do Tesouro, contra adversários políticos. Um ministro é investigado pela Polícia Federal por corrupção. Provou-se que ofertas de vacina foram ignoradas.
Puxando pela memória
Com essas histórias bobinhas, Bolsonaro espera se livrar de algo bem mais difícil: explicar seu telefonema ao primeiro-ministro da Índia, apelando para que fornecesse mais matéria-prima a dois laboratórios de companheiros, grandes produtores de cloroquina. Eles fabricam, ele faz a propaganda.
Mas ele é o presidente, pode trabalhar para criar fatos e mudar debates. E tem um ano para isso. As eleições, não esqueçamos, serão em 2022.
Como é mesmo?
O Supremo decidiu que se pode realizar a Copa América no Brasil. E que é que tem o Supremo com isso? Que questão constitucional está envolvida? Sou contra a Copa América no Brasil, não é hora de atrair turistas. Mas não entendo nem que tenham pedido ao STF que proibisse a Copa América nem que o STF tenha aceitado julgar esse pedido.