Financiamento público?, Vade Retro. Por José Paulo Cavalcanti Filho
FINANCIAMENTO PÚBLICO?, VADE RETRO
Por José Paulo Cavalcanti Filho
… No relatório Cândido, em um país acostumado a malas de dinheiro, contribuições em espécie são aceitas até 10 mil reais. Na França, apenas 500. Calma, Vicente Cândido. Calma…
A Câmara dos Deputados corre o risco de aprovar um Fundo de Financiamento para a Democracia – FFD, proposto pelo dep. Vicente Cândido. Do PT. Não é de estranhar. O lema, por lá, é só gastar e gastar. Como se dinheiro público nascesse em árvores. Inconstitucional, por não ter fonte de recursos – como já provou mestre Carvalhosa. Serão, no próximo ano, 3,6 bilhões de reais. Mais 819 milhões do Fundo Partidário. Mais cerca de 1,8 bilhões (estranhamente, a Receita Federal nunca informou o número exato) do Horário Eleitoral Gratuito – cálculo de Carlos Brickmann. No total, quase 8 bilhões. E o montante ainda vai crescer, nos próximos anos. Que será calculado a partir de 0,5 da Receita Corrente Líquida do governo. Sob a desculpa de que isso iria produzir eleições limpas. Só mesmo rindo.
A corrupção brasileira, senhores meus, vem de longe. É uma herança colonial, portuguesa, entranhada em nossas vísceras. Na nossa pele. No desejo mais íntimo de tantos. Que resiste a tudo. E não vai acabar com esse assalto a nossos bolsos. Ou com a Lava Jato. Infelizmente. Como a Mani Pulite (mãos limpas) também não acabou com ela.
Apesar das 6.059 pessoas investigadas e dos 3.292 presos – 1978 administradores locais (equivalentes, no Brasil, a Prefeitos), 872 empresários, 438 parlamentares, 4 ex-Primeiros Ministros. Foi com a intenção de evitar o caixa 2 que a Itália chegou a instituir um modelo de Finanziamento Pubblico, nas eleições Mas, com o fim da Mani Pulite (em 1996), logo se viu que ela continuou. Impávido colosso. Era dinheiro jogado fora. Sendo esse modelo, afinal, revogado pelo Decreto Legge 149/2013.
…No Brasil, nossos homens públicos não pensam em reduzir o custo das eleições. Isso não. Só para ficar em um exemplo, o do Guia Eleitoral. Ele representa mais que metade nos custos de uma campanha.
Na França, a partir de leis recentes (de 11.03.1988, 15.01.1990, 19.01.1995 e 11.04.2003), o financiamento público também é limitado. São pouco mais que 200 milhões de reais anuais para os partidos. Em 2014, 260 milhões. Em 2015, 240. Aos partidos que tenham tido, pelo menos, 5% dos votos. Além de até 28 mil reais, por pessoa física. E todas as eleições têm um teto. Para cada Deputado, por exemplo, 180 mil reais. Para Presidente, no total, são 65 milhões no primeiro turno; e 85, no segundo. Não sobra grana, por lá. Tanto que o PS, até agora no poder com Hollande, vai ter que vender sua sede – na Rua Solférino, em um quartier très chic de Paris. Para pagar dívidas. No relatório Cândido, em um país acostumado a malas de dinheiro, contribuições em espécie são aceitas até 10 mil reais. Na França, apenas 500. Calma, Vicente Cândido. Calma.
Nos Estados Unidos, a partir da Lei McCaim-Feingold (2002), pessoas físicas podem doar só até 8.500 reais. E o financiamento público, em limites modestíssimos, exige alguns requisitos prévios. Quase nenhum candidato aceita. Por ter que renunciar a contribuições privadas. Na Inglaterra, menos de 5% das campanhas vêm de financiamento público. Na Russia, o montante anual à disposição dos partidos é 90 milhões. Na Alemanha, a Parteingesetz (1967) garante 3,20 reais por voto, até 4 milhões. A partir daí, 2,65. E tudo pago, sempre, depois das eleições. Nenhum desses países chega perto dos 300 milhões de reais. Aqui, serão 8 bilhões. É muita cara de pau.
No Brasil, nossos homens públicos não pensam em reduzir o custo das eleições. Isso não. Só para ficar em um exemplo, o do Guia Eleitoral. Ele representa mais que metade nos custos de uma campanha. Bastaria que o governo pusesse televisões públicas (Cultura, Educativa, Universitária) à disposição dos partidos. Para gravação dos guias. Mantendo o atual sistema de distribuição das imagens. Equilibrando as campanhas. E reduzindo o custo desse item a 0,00 (zero reais).
Para essa gente, torrar dinheiro público em campanhas é a coisa mais natural do mundo. E têm coragem de ficar repetindo um mantra sem sentido, de que Democracia tem preço. Mesmo vendo nossa gente simples sofrer com falta de recursos para tudo. O estômago embrulha só ao ler notícias como essas, nos jornais. Sonho parlamentar da grana fácil. Usado na compra de votos. Pesadelo grande, para nós. Uma indecência.
Não se trata de uma avaliação política. Não pode ser. Trata-se, basicamente, de valores. Esse financiamento público, com todas as letras, vai além de todos os limites éticos. É um escárnio. É uma Proposta Indecente.
_________________________
José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.