Você ainda vai querer a senha! Por Ivone Zeger
Você ainda vai querer a senha!
Por Ivone Zeger
As redes sociais têm sido matéria para muitas discussões entre advogados e juristas. Recentemente, advogados britânicos apontaram: um em cada cinco divórcios é provocado pelas redes sociais, especialmente o Facebook.
Horas de papo e divagações diante do computador? Com quem?
Dia desses uma cliente me contou, indignada: “Querem pegar uma foto no Facebook como prova e cortar a pensão da Clara”. Ora, quis saber prova do quê. Ela explicou. Clara, a filha de minha cliente, divorciou-se há um ano e recebe pensão alimentícia do ex-marido para o filho de nove anos. Também recebe uma pensão para ela, que ficou quatro anos sem trabalhar, enquanto estava casada.
Clara frequenta as redes sociais, por meio das quais mantém contato com amigos que ela conhece pessoalmente e trava o primeiro contato com novos amigos. Ela também gosta de registrar com fotos tiradas pelo celular os passeios que faz com o filho ou encontro com os amigos, e publica tudo na rede social que ela frequenta. Em um desses jantares com os amigos, Clara conheceu Marcos, os dois se simpatizaram e tiraram uma foto em que aparecem juntos. É verdade que, daquele dia em diante, os dois se falaram outras vezes e iniciaram um relacionamento. Mas quando Clara publicou a foto em sua página da internet não imaginava o tamanho do problema que enfrentaria. O ex-marido viu, não gostou e moveu ação para se desobrigar de pagar a pensão para a ex-mulher.
Na verdade, as coisas não funcionam bem assim. Uma foto com alguém ao lado não pode ser considerada prova para desobrigar ninguém a pagar pensão, inclusive, considerar isoladamente uma foto publicada na internet pode gerar um julgamento parcial e arbitrário. Legalmente, o ex-cônjuge ou companheiro se desobriga a pagar a pensão para a ex-mulher ou companheira quando esta se casa novamente, ou inicia uma relação estável, enfim, quando efetivamente está convivendo com outro companheiro. O simples fato de começar um novo relacionamento não é motivo para tanto. No caso de Clara, a decisão final, a cargo do juiz, dependerá de diversos fatores, entre eles: a existência efetiva de uma união estável configurada na convivência pública, contínua e duradoura; o acordo que havia ao ser realizado o divórcio ou separação judicial e a situação financeira dos ex-cônjuges.
A literatura está repleta de romances em que cartas de amor servem de prova contra cônjuges até então considerados fiéis. Verdadeiras tragédias se desenrolam a partir de uma gaveta que se esqueceu de trancar ou uma carta que não chega ao destinatário e é sorrateiramente interceptada e aberta na calada da noite. Feitas as devidas adequações, a tecnologia tem feito situações como essas se replicarem exponencialmente.
As redes sociais têm sido matéria para muitas discussões entre advogados e juristas. Recentemente, advogados britânicos apontaram: um em cada cinco divórcios é provocado pelas redes sociais, especialmente o Facebook. Embora virtual, a facilidade com que as pessoas falam de seus interesses ou desentendimentos, mágoas ou alegrias dá a impressão de proximidade e estreitamento de laços. O reencontro de amizades antigas, o fato de poder compartilhar lembranças de infância e de adolescência, curtir músicas e poemas são atividades que fazem com que as conversas rolem soltas, noite a dentro. Maridos e esposas reclamam, com razão, e os partidários do “quem ama cuida”, não raro, resolvem “dar uma olhada” na rede social para saber o que o parceiro andou fazendo. E o que veem dá margem para muita dúvida e indignação. Infelizmente, é isso o que vem acontecendo.
A maioria das redes sociais permite também as conversas particulares, as “mensagens”, ou também denominadas “inbox”, que funcionam como e-mails, porém mais ágeis e permitem o bate-papo rápido. Ou seja, mais do que aquilo que está público, muitas vezes escrito de modo impulsivo, ou simplesmente inocente, as pessoas podem se comunicar em particular, para trocar ideias que interessam só a elas, ou mais íntimas. Mas o acesso a esse conteúdo privado só é possível por meio de senha pessoal. E é aí que começam as brigas. Se você imaginar que tudo o que está escrito nas mensagens particulares se assemelham a conversas inconsequentes, dessas que se tem com amigos de longa data, quem tem coragem de liberar a senha de sua rede social para a esposa ou para o marido? Para o companheiro/a ou namorado/a?
No Brasil, já há um bom tempo que, em um processo de divórcio, não se apuram os responsáveis pela ruptura do matrimônio. Para a lei brasileira, não interessa propriamente saber quem são os “culpados” pela separação, mas, sim, como o ex-casal viverá dali para frente. Já em países como os Estados Unidos, por exemplo, com cultura e costumes mais moralistas, ou porque a briga pelos bens se acirra, os conteúdos escritos e postados podem ser usados em um processo de divórcio. Recentemente, um juiz americano exigiu a senha de acesso do Facebook aos dois cônjuges cujas acusações mútuas eram fartas. Ambos tiveram seus perfis na rede social – e os tais conteúdos “inbox” – analisados para a busca de provas de traição.
Ou seja, nas redes sociais, a bruxa vive solta!
Postagens inconsequentes não só geram divórcios. Em meio ao processo judicial do divórcio, estas mesmas postagens costumam tumultuar o andar da carruagem. Ansiosas, as pessoas resolvem compartilhar publicamente suas indignações em relação ao ex-cônjuge ou companheiro/a e acabam gerando mais problemas.
É bom lembrar que as palavras ditas em um momento de descontração podem ser levadas pelo vento. Mas as palavras escritas – mesmo que em um momento ingênuo e descontraído – podem se assentar no papel ou, no caso, na tela do computador por muito tempo!
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Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br
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