Programa de índio. Por Meraldo Zisman
PROGRAMA DE ÍNDIO
Por Meraldo Zisman
… O guia, perplexo, que arranhava mais espanhol do que português, perguntava o que queria dizer: Programa de Índio. Mas a maioria das expressões idiomáticas é intraduzível, principalmente para tradutores ad hoc de excursão…
O poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994), quando já estava lá pelos seus oitenta anos de idade, escreveu este verso: “Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas”.
Eu, aqui do meu canto, enxerido que sou, adiciono o abaixo, embora conhecedor das minhas limitações escrevinhadoras:
Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo, pois o único que fará falta será esse tempo que infelizmente não voltará mais. Quem tem relógio, não tem tempo e quem tem tempo não usa relógio.
Dizem por aí que viajar dá cultura; se isso fosse verdade, os embarcadiços seriam as pessoas mais cultas deste mundo. Viajar serve para melhorar as conversas, se muito, e vou me arriscar contando uma historíola ocorrida durante uma das minhas primeiras viagens aos Estados Unidos, há muito tempo.
Estava eu, em excursão, assistindo a um espetáculo situado em uma dessas reservas indígenas hollywoodianas, em que se exaltava o Matador Bufallo Bill & O Genocídio dos Peles-Vermelhas.
No momento em que a cavalaria americana se encontrava no auge da matança dos autóctones, o chefe indígena levanta um braço e, com a outra mão, tira da algibeira reluzente relógio que brilha ao sol. Olha-o atentamente e brada: — Meio dia. É hora de índio ficar com fome. E os figurantes do show retiram-se do palco. De início, ninguém reclamou. Fomos comer sanduíches e catar bugigangas nas lojinhas pega-turista. O sol continuou a brilhar intensamente naquele deserto do Mojave, ao sul do atual Estado de Nevada. O calor de rachar acabou com o espírito aventureiro das companheiras e companheiros de jornada. O show foi suspenso por motivos climáticos.
Voltando ao ônibus, os decepcionados ocupantes formaram o que parecia um coro orfeônico ensaiado e protestavam com o refrão: Programa de índio. Programa de índio. Programa de índio.
O guia, perplexo, que arranhava mais espanhol do que português, perguntava o que queria dizer: Programa de Índio. Mas a maioria das expressões idiomáticas é intraduzível, principalmente para tradutores ad hoc de excursão.
Os disparates foram tamanhos que fiz um juramento, até hoje seguido, de não falar inglês quando a sós com nenhum compatriota. Maiores detalhes do significado de Programa de Índio, procurar no site: https://noamazonaseassim.com.br/significado-da-expressao-fazer-um-programa-de-indio[Links to https://noamazonaseassim.com.br/significado-da-expressao-fazer-um-programa-de-indio] no Google.
A companhia turística ressarciu-nos o valor dos bilhetes.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha)