A volta dos milicos. Por Edmilson Siqueira
… como se vê, ao contrário do que muitos dizem por aí, a era militar no Brasil foi a responsável por enorme atraso no desenvolvimento do país, sem contar o atraso na cultura em geral, já que a censura grassou firme durante todo o período, capando livros, peças teatrais, músicas, artes plásticas etc., cegando o povo brasileiro para muitas das novas manifestações artísticas que eram geradas no mundo.
A História de um país ou mesmo do mundo nunca pode ser contada no dia seguinte. A visão abrangente, larga, distante, dizem os historiadores, é a melhor para se entender o que fizemos e o que deixamos de fazer.
O golpe de 1964, com a deposição de um vice-presidente empossado que acenava para sindicatos e partidos de esquerda, analisado hoje, passados 57 anos, teve como causas fatos muito menos fortes ou importantes do que os que ocorreram sob os mandatos do PT e, agora, sob o genocida que preside a República.
O perigo de “sovietização” do Brasil podia até ser real, mas não passava disso: perigo. Para se concretizar teria de acontecer uma guerra civil que deflagraria um conflito até mundial, caso os EUA e a URSS resolvessem tomar as dores dos lados envolvidos. Mesmo porque não havia no Brasil grupo algum armado e grande o suficiente para enfrentar as Forças Armadas, como se viu depois em Registro e no Araguaia. E como tanto os EUA quanto a URSS já tinham problemas demais para resolver entre eles, a participação num conflito num país de dimensões continentais jamais deve ter passado pela cabeça dos que mandavam na Casa Branca e no Kremlin. Sem essa participação, o caminho para o “paraíso comunista” brasileiro seria fechado com alguns tiros e muita correria.
Os milicos, após depor João Goulart, tomaram posse na marra, cassaram todos os que pudessem lhes fazer oposição e iniciaram um processo de “modernização” que, paradoxalmente, seria o responsável por um formidável atraso no desenvolvimento do país. A manutenção de mastodontes estatais e a criação de centenas de outras empresas públicas, que foi a política dominante durante os vinte e tantos anos de domínio militar, transformaria o Brasil num país fechado ao desenvolvimento mundial e num paraíso do “barnabé”, geralmente corrupto ou esperto. O lema era “o negócio é levar vantagem em tudo, certo?”, retirado de um comercial do cigarro Vila Rica protagonizado pelo craque Gerson, que dizia a frase em relação ao jogo e, penso eu, não em relação a tudo na vida.
A herança militar foi a pior possível para o Brasil, num mundo que crescia tecnologicamente e que buscava novas formas de desenvolvimento sustentável. Para se ter uma ideia, até uma estatal para a fabricação de computadores foi criada no Brasil. Os softwares estrangeiros entravam de contrabando para agilizar as lerdas máquinas que rodavam com programas nacionais ou adaptados. E isso foi até o governo Sarney, o corrupto maranhense que iniciou a era civil atual no comando do país.
Então, como se vê, ao contrário do que muitos dizem por aí, a era militar no Brasil foi a responsável por enorme atraso no desenvolvimento do país, sem contar o atraso na cultura em geral, já que a censura grassou firme durante todo o período, capando livros, peças teatrais, músicas, artes plásticas etc., cegando o povo brasileiro para muitas das novas manifestações artísticas que eram geradas no mundo. O isolacionismo econômico, técnico e cultural pode ser o carimbo maior que foi colocado sobre o Brasil pelos militares durante a ditadura que patrocinaram.
As consequências desse período de trevas sentimos até hoje. Depois de um governo quase liberal, de FHC, em que parecia que o Brasil poderia tomar novos e bons rumos, foi eleito um populista de esquerda cujos governos foram muito parecidos com os militares, principalmente na área econômica: todo o poder às estatais e a alguns empresários que concordavam em fazer o jogo sujo da corrupção para manter o partido no poder e enriquecer seus principais membros. Não sem surpresa, os bancos passaram a ter os maiores lucros que já tiveram exatamente durante os governos petistas.
Agora, 36 anos depois, temos a volta mais efetiva dos militares na vida política brasileira. A eleição de um ex-capitão cuja passagem pelo Exército não pode ser considerada exemplar, fez com que muitos generais, coronéis e outros menos votados, se assanhassem para novamente sentir o gostinho do poder além da farda.
E o que se viu e o que se vê está sendo lamentável. Os militares que se mantêm fiéis aos princípios democráticos que juraram defender, saíram do governo assim que perceberam que o comandante-em-chefe das Forças Armadas não é que se pode chamar de democrático. E lá ficaram os que se sujeitam a obedecer cegamente a um milico sem expressão, sem liderança e sem noção do ridículo.
Assim, os temores da volta dos militares ao poder que muitos tinham, vão se justificando: aquela milicada que atrasou o Brasil durante mais de vinte anos, ainda está aí, representada por seus fiéis seguidores. Com o apoio deles, Bolsonaro tem isolado completamente o Brasil do mundo desenvolvido, tem inaugurado políticas de destruição da natureza, tem patrocinado a censura e a violência contra grupos que lhe fazem oposição, tem mantido gabinetes paralelos de ódio e de genocídio em massa e, com isso, tem assassinado milhares e milhares de brasileiros mercê sua política de saúde totalmente irresponsável diante de uma pandemia avassaladora.
Os que temiam a volta dos milicos ao poder tinham toda razão.
__________________________________
Edmilson Siqueira– é jornalista
________________________________________________