A “Pinguela” e o abandono das políticas públicas. Por Aylê-Salassié F. Quintão*
A “Pinguela” e o abandono das políticas públicas
Por Aylê-Salassié F. Quintão*
… parece que o País caminha para trás. Uma herança maldita sacode a “Pinguela”, tornando tudo mais difícil. Balança-se a corda nesse sentido. O perfil dos governantes eventuais não ajuda. Personagens calejados em todos os escalões e Poderes parecem indiferentes às angústias da população ante às deficiências profundas dos serviços de saúde, da oferta de empregos, da precariedade na educação, da escassez das águas e com a elevada taxa de insegurança.
A máquina do Estado está parando. Que destino terão as políticas públicas? Programas e projetos nos campos da energia, da saúde, da água, da agricultura, dos transportes e da segurança definham, legando ao abandono populações inteiras, sobretudo as indígenas. Os ministérios e agências já não funcionam com regularidade e, no Parlamento, projetos de lei de interesse direto dos setores sociais e produtivos não saem do lugar. Não há interesse nas discussões e, às vezes, nem quórum nas comissões. O Congresso e o Judiciário tornaram-se fisiológicos: só pensam neles.
Na chefia do Executivo, o presidente Temer, exausto, parece reunir os últimos esforços para desencadear a batalha com a qual espera livrar-se da acusação de corrupção passiva e, por consequência do impeachment. Antes de iniciá-la, tenta aprovar apressadamente as reformas da Previdência, a Trabalhista e a Política. Mas encontra resistência já não apenas nos meios sindicais, entre os pares também. Debandada à vista, compromete os futuros orçamentos com promessas de ajuda a partidos e políticos, num estilo Thereza May, primeira-ministra do Reino Unido, Quatorze governadores, com os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal estourados, ajudam a engrossar o quadro da instabilidade pública.
Nos ministérios, os gestores dos projetos e licitações, em desenvolvimento ou prevista para execução, tropeçam, receosos, na sucessão de delações, investigações, relatórios policiais, denúncias e prisões, responsáveis por essa hemorragia generalizada dentro da máquina do Estado, reconhece o ministro Moreira Franco, chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, em entrevista para o jornal Correio Braziliense. Existem rastros da sangria em todos os espaços até nas viagens presidenciais à Rússia e à Noruega.
No âmbito da governabilidade, a composição ministerial dá a impressão de estar se desmanchando. Mudam-se sistematicamente os ministros. O ministério da Cultura não tem titular. A implantação do Plano Nacional de Educação (PNE-2011/2020), Lei 13005/14, tem sua implantação arrastada nos sistemas escolares. No período de sua tramitação o País teve três a quatro ministros da Educação. Na saúde, faltam médicos, medicamentos, e os hospitais estão superlotados. O estado depressivo doentio da população amplia-se endemicamente com o desemprego prolongado, sobretudo entre os mais jovens. Tragédias pessoais rondam a sociedade. O médico Dráuzio Varela acaba de denunciar o Senado e a Câmara pela aprovação da comercialização de três inibidores de apetite proibidos no Brasil .
Há uma resistência generalizada às viagens de automóvel. As férias escolares de julho chegaram, contudo assustam as más condições das rodovias, responsáveis por milhares de acidentes com mortes. A avaliação feita pelo DNIT, dos 95.707 km fiscalizados apenas 49,0% estão bom estado de pavimentação. Investimentos em ferrovias e em hidrovias aguardam a salvação em alguma licitação internacional.
…Apesar do clima sepulcral no espaço do Estado, há congressistas insistindo ainda no recesso parlamentar de julho, que pode chegar também ao Judiciário. E a lei orçamentária?
Na área fundiária, os assentamentos agrários tiveram redução acentuada. Terras agricultáveis e a dos índios estão sendo frequentemente inundadas para construção de hidrelétricas, como no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. No município de Minaçu, em Goiás, afogou parcela enorme das terras dos índios Avá-Canoeiro, vítimas também constantes das doenças dos brancos. Madeireiros, garimpeiros, latifundiários, mineradoras, hidrelétricas, rodovias, aprofundaram a ocupação das reservas indígenas.
O governo orgulha-se dos resultados do agronegócio, mas o crescimento tem refletido o tamanho do desmatamento, que subiu para 29% em 2016. Cresceu de tal forma que alcançou reservas do patrimônio ambiental mundial na Amazônia. Para contornar, propõe-se reduzir o tamanho dessas reservas, em lei, no Congresso e flexibilizar os processos de demarcação das terras indígenas com mudanças na Constituição. Os governantes brasileiros tentaram, mas não conseguiram enganar os noruegueses.
Apesar do clima sepulcral no espaço do Estado, há congressistas insistindo ainda no recesso parlamentar de julho, que pode chegar também ao Judiciário. E a lei orçamentária? Tem o segundo semestre todo para ser discutida, justifica-se. Isso, se não houver uma inflexão na Política, tipo mudança de governo. Itamar Franco iniciou seu exercício em 1993, sem orçamento, por causa da agonia gerada no processo de renúncia de Collor.
Enfim parece que o País caminha para trás. Uma herança maldita sacode a “Pinguela”, tornando tudo mais difícil. Balança-se a corda nesse sentido. O perfil dos governantes eventuais não ajuda. Personagens calejados em todos os escalões e Poderes parecem indiferentes às angústias da população ante às deficiências profundas dos serviços de saúde, da oferta de empregos, da precariedade na educação, da escassez das águas e com a elevada taxa de insegurança.
Esta última espalha-se rapidamente pelo País, diante dos olhos sonolentos das frentes dos direitos humanos, das polícias corporativas e do excesso de precaução dos militares. A plataforma executiva do Governo reduziu a marcha: os ministérios estão esquecidos, e metade dos ministros citados na Lava Jato. Ninguém tem coragem de investir. É dramático. A Nação sangra. O recesso não vai ajudar.
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural