Quicando na frente da meta. Por Alexandre Schwartsman
Quicando na frente da meta
Por Alexandre Schwartsman
… Ao fixarem salários e preços por um determinado período (digamos, um ano), trabalhadores e empresas precisam levar em conta a perda de poder de compra resultante da inflação que ocorrerá ao longo daquele ano…
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 28 de junho de 2017
O Conselho Monetário Nacional deve anunciar esta semana a meta de inflação para 2019, seguindo as diretrizes do Decreto 3088/99. Não será surpresa se o CMN decidir pela sua redução, a primeira desde junho de 2003, provavelmente para 4,25%, talvez para 4%, caminhando no sentido da maioria dos países emergentes, que busca manter a inflação ao redor de 3% ao ano.
A verdade é que já se espera, e não de hoje, tal decisão. As expectativas de inflação para 2019, conforme capturadas pela pesquisa Focus, já se encontram em 4,25% desde o início de abril. Há bons motivos para crer que esta crença já reflita a perspectiva de redução da meta e não a baixa inflação corrente, pois quaisquer desvios da inflação, sob uma política monetária correta, devem se dissipar com folga em dois anos e meio, o intervalo entre a definição da meta e o momento de sua aferição.
Trata-se de uma mudança radical. Em 2015 e 2016, por exemplo, considerando o mesmo intervalo para que a política monetária pudesse trazer a inflação de volta, as expectativas dois anos e meio à frente permaneceram teimosamente acima da meta. Posto de outra forma, em pouco mais de um ano o BC recuperou a credibilidade perdida na era em que Alexandre Pombini e asseclas estiveram à frente da instituição.
Isto sugere, ao contrário do senso comum, que taxas de juros poderão cair um pouco mais do que cairiam caso a meta se mantivesse inalterada em 4,5%. O motivo para isto é a influência que as expectativas de inflação para 2019 têm sobre a inflação de 2018.
… Caso o CMN nos surpreenda e decida por 4%, veremos novas quedas da taxa de juros. Agora é só empurrar para o gol.
Ao fixarem salários e preços por um determinado período (digamos, um ano), trabalhadores e empresas precisam levar em conta a perda de poder de compra resultante da inflação que ocorrerá ao longo daquele ano. Assim, se a inflação esperada para o futuro é elevada, salários e preços sobem mais hoje, acelerando a inflação corrente e vice-versa. Em particular, uma taxa de inflação mais baixa em 2019 deve reduzir, em alguma medida, também a inflação de 2018.
Como a política monetária opera com defasagens relativamente longas, as decisões do Copom durante a segunda metade deste ano deverão dar peso crescente ao desempenho esperado para 2018. Neste sentido, uma meta menor para 2019, ao reduzir a inflação esperada para 2018, possibilita ao BC reduzir a Selic um tanto a mais do que conseguiria em cenário de meta mantida em 4,5%.
“Delírio teórico”, dirão alguns.
Pois bem, a evolução das expectativas para 2018 se mostra absolutamente coerente com a explicação acima. Até abril deste ano se encontravam próximas a 4,5%, mesmo com a queda da inflação esperada para 2017, refletindo a crença na capacidade do BC trazer a inflação de volta para 4,5%, mas começaram a cair quando se cristalizou a perspectiva de redução da meta para 2019. Da mesma forma, a revisão para baixo em 2018 reduz a velocidade de aumento de preços em 2017.
Isto tem possibilitado a queda da taxa de juros, bem mais forte do que se esperava. Há um ano o consenso apontava para a Selic a 11,0% no final deste ano e 10,5% em 2018; hoje aponta para 8,5% nos dois anos, além da observada na inflação esperada, ou seja, redução também da taxa real de juros.
Caso o CMN nos surpreenda e decida por 4%, veremos novas quedas da taxa de juros. Agora é só empurrar para o gol.
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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS