Riscos dos protagonismos inusitados. Por Aylê-Salassié F. Quintão*
Riscos dos protagonismos inusitados
Aylê-Salassié F. Quintão*
A Nação está pasma diante das posturas de homens sem voto, mas investidos de poder, ajudando a tumultuar a vida da Nação, num aceno insensato ao caos. Combatidas pelas corporações sindicais, as reformas derretem, inclusive a Política. Um casuísmo atrás do outro.
Os sinais estão aí. Quem tem dinheiro aplicado, fique esperto. A cortina começou a se abrir: no Supremo Tribunal Federal há ministros ansiosos para retirar de vez a autoridade do juiz Sérgio Moro no julgamento da corrupção endêmica. Serão os holofotes?!… Gilmar Mendes desqualificou as delações contra a chapa Dilma/Temer. O Presidente da República está ausente, e Fernando Henrique Cardoso aderiu intempestivo à proposta da antecipação da eleição direta, artifício que exigiria mudanças profundas na ordem constitucional. Pay attention! A economia poderá começar a ratear novamente.
Os protagonistas despontam em todos os lugares conspirando contra a natureza dos fatos. Mesmo com tornozeleiras, na maior “cara de pau”, os mortos vivos parecem estar ressuscitando. As delações dos empresários Joesley Batista, Marcelo Odebrecht, Leo Pinheiro, João Santana, Duque e mais cinquenta outros estão ameaçadas de pular da letra fria da lei para o campo escorregadio da política. É a vingança da pós-verdade, aquelas explicações emotivas que se colocam acima do real. Não há aí domínio do fato.
A Nação está pasma diante das posturas de homens sem voto, mas investidos de poder, ajudando a tumultuar a vida da Nação, num aceno insensato ao caos. Combatidas pelas corporações sindicais, as reformas derretem, inclusive a Política. Um casuísmo atrás do outro. Tramita no Congresso proposta destinada a reservar até R$ 3 bilhões do Orçamento da União para financiar as eleições. Essa de que fala FHC. É pouco. Os partidos querem R$ 6 bilhões…
Sentado na confortável poltrona do escritório, desfrutando de três a quatro aposentadorias, FHC parece divertir-se nesse cenário. É o homem da oportunidade, e da confusão . Sua visão de mundo sempre foi um pouco caótica, com viés social-democrático . O discurso sofismático e irônico afastou-o há muito de Antonio Gramsci e o aproximou de Antonio Carlos Magalhães, um dos maiores falastrões da política brasileira. Aliás , sustentou o governo FHC e enganou até os militares.
…FHC adere intempestivo à ideia, do PT, de antecipar as eleições diretas. Desistiu da pinguela, que ele ajudou a construir na tentativa de abrir a cancela para o seu partido. Une-se aos mais jovens do PSDB, e se reinventa…
Admirado como articulador, FHC é um nome emblemático. Os mais vividos lembram-se de que, amparado nas pesquisas eleitorais (1985), ele liderava, com folga, a corrida para a prefeitura de São Paulo dois dias antes do pleito. Por vaidade, convocou a mídia, foi até a sede do governo municipal, entrou no gabinete do chefe do Executivo, em campanha, e posou, para os fotógrafos, sentado na cadeira do prefeito. Vieram as eleições, Jânio Quadros ganhou. A primeira coisa que fez foi “desinfetar” a cadeira. Em seguida, mandou pendurar uma chuteira atrás da porta do gabinete. Disse que era para chutar eventuais invasores.
Os Cardosos são históricos na política brasileira. Sempre protagonizaram episódios inusitados. Capistrano de Abreu conta que, um dos tios avôs de FHC chegou a propor aos golpistas republicanos o fuzilamento da Família Real. O outro, o alferes Joaquim Inácio Batista Cardoso, teria sido enviado à casa do Marechal Deodoro pelos aquartelados na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e trazê-lo para assumir a chefia do golpe. Mesmo em atrito com o Imperador, Deodoro resistiu, alegando estar febril. O alferes colocou-o diante de um anátema: “Marechal, já está tudo feito. Com o senhor ou sem o senhor não tem mais volta”.
Uma bela herança política. Antes de ser um ativista na USP, FHC gostava da confusão. Jovem, bonitão, adorado pelas alunas, mesmo professor, não perdoava. Filho de militar no Poder, terminou indo parar no Chile, na Cepal, onde, junto com os companheiros acadêmicos, fazia formulações revolucionárias, mas não no campo da luta política, e sim dos discursos sociológicos, absorvidos pela esquerda ideologicamente insegura. Na gestão presidencial, seguiu os caminhos neoliberais de Fernando Collor e, trilhando por eles, terminou ressuscitando ideais udenistas.
A privatização das empresas públicas, obra sua, veio acompanhada do abandono dos funcionários que, desde o suicídio de Vargas, sustentavam a autoestima no nacionalismo brasileiro. O distanciamento dessas bases, de visibilidade sutil, abriu um campo fértil para os aventureiros corporativos que se sucederam. Como ex-ministro das Relações Exteriores, FHC já deve ter feito uma longa avaliação da viagem de Temer à Rússia. João Goulart caiu da chefia do Governo por aqui quando estava na China. Também ex-titular da Fazenda, tem todas as condições para prever os graves reflexos na economia da antecipação de uma eleição.
Já perto dos noventa, casado com uma jovem secretária que, segundo ele, o ajuda a atravessar as ruas, FHC adere intempestivo à ideia, do PT, de antecipar as eleições diretas. Desistiu da pinguela, que ele ajudou a construir na tentativa de abrir a cancela para o seu partido. Une-se aos mais jovens do PSDB, e se reinventa. Suas palavras, de aparência contemporizadora, percorrem um cenário cheio de ambiguidades e personagens com folha corrida policial. Daí pairar a dúvida se, com Aécio, Serra, Aluísio Nunes, Lula e Dilma no patíbulo, FHC vai pender para o lado de Gilmar Mendes ou de Édson Fachin. O País é que se dane.
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural