Fantasmas das decisões passadas

Na última sexta participei
de um painel dos mais interessantes, em companhia de Monica de Bolle e Pérsio
Arida. Um tema comum na conversa foi o pessimismo acerca do potencial de
crescimento do país, que acabou originando perguntas relevantes da plateia, em
particular de Jim O’Neil, o criador do termo BRICs para se referir às grandes
economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China), questionando  o porquê da avaliação pessimista, dado que, há
relativamente pouco tempo, nosso ritmo de expansão se encontrava na casa de 4%
a 4,5% ao ano. O que teria mudado?
Minha resposta então, que
agora compartilho com os 18 leitores, é a seguinte: a única alteração que
ocorreu refere-se à percepção do que
seria nossa verdadeira velocidade de expansão sustentável, ao invés da
velocidade em si. Não parece claro, mas me explico.
É verdade que a expansão
do PIB passou por aceleração visível entre 2004 e 2010, quando atingiu 4,2% ao
ano, contra 2,5% ao ano na década anterior. Não é menos verdade, porém, que
este crescimento foi acompanhado de queda persistente da taxa de desemprego nas
6 regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, que caiu de 12,3% para 6,7% da
força de trabalho, isto é, 0,8% por ano.
Não há, é claro, problema
algum em reduzir o desemprego dos níveis em que se encontrava em 2003 para
valores como os observados em 2010, pelo contrário. A questão, na verdade, é
saber se este tipo de desenvolvimento é sustentável,
no sentido de poder ser mantido indefinidamente.
Não é o caso. Se a taxa de
desemprego continuasse caindo em torno de 0,8% por ano, impulsionada por
crescimento pouco superior a 4% ao ano, por volta de 2018 ela chegaria a zero,
uma possibilidade matemática e uma impossibilidade econômica. Independente de
sabermos com precisão qual é a taxa de desemprego consistente com a
estabilidade da inflação (às vezes referida como “taxa natural de desemprego”,
ou pela sigla em inglês, NAIRU), é óbvio que a taxa de desemprego não pode cair
indefinidamente.
Neste aspecto, o ritmo de
crescimento em torno de 4% ao ano que muitos (eu inclusive) tomaram como uma
medida do potencial de expansão da economia brasileira, não era sustentável.
Pôde ser mantido por um período razoavelmente longo porque, entre outras
coisas, havia ainda disponível um contingente considerável de mão de obra
ociosa, permitindo a expansão do produto. Nas condições de hoje, porém, com a
taxa de desemprego em torno de 5,5%, isto não é mais possível.
Para manter o desemprego inalterado
o crescimento do PIB passa a ser dado em parte pelo aumento da população em
idade ativa, hoje da ordem de 1% ao ano, acrescido da expansão do produto por
trabalhador.
Este último, tomado ao pé
da letra, não oferece nenhum grande motivo de otimismo. Nos últimos 4
trimestres (até junho deste ano) o PIB cresceu 1,9%, enquanto a ocupação
aumentou 1,8%, revelando virtual estagnação do produto por trabalhador.
Esta variável é, porém, bastante
cíclica; melhor observar a evolução da sua tendência, que vem crescendo na casa
de 1% ao ano. Fosse a produtividade um parâmetro escrito em pedra, a conclusão
inescapável seria a incapacidade de o país crescer persistentemente mais do que 2% ao ano, 2,5% com boa vontade.
Por sorte, ela não é,
muito embora não seja nada trivial elevar o ritmo da tendência de crescimento
do produto por trabalhador. No médio prazo isto depende ainda de uma aceleração
mais decisiva do investimento (em particular em infraestrutura) que, embora
tenha aumentado nos últimos trimestres, ainda não conseguiu voltar ao pico de
2010.

Sem, porém, esforços para
aumentar a poupança pública, e mantido o modelo das concessões de
infraestrutura, não parece que teremos condições de atingir níveis de
investimento que façam diferença para o crescimento da produtividade. Os
fantasmas das decisões passadas continuam a nos assombrar.
Grilhões
(Publicado 4/Set/2013)

10 thoughts on “Fantasmas das decisões passadas

  1. Alex pergunta simples e direta:Você saberia dizer de quanto seria o PIB potencial do Brasil com o " feijão com arroz" (metas de inflação,política fiscal séria e cambio flutuante)?

  2. na verdade nem a taxa zero seria uma possibilidade matemática se vc considerar que a curva mais apropriada para este fenomeno seria uma de logistica ou qualquer outra com assintota tendendo a zero, mas nunca em.

    Frescuras matemáticas a parte, Zero é a possibilidade daquela equipe que ta lá de enxergar um palmo a frente do nariz de rena. Temos que conviver com isso, e nos precaver.

  3. precisar investir e ao mesmo estar no pleno emprego se torna uma barreira no curto prazo nao? especialmente se grande parte dos empregos gerados recentemente forem no setor de serviços

  4. Alex,

    Você se baseia numa premissa muito correta teoricamente, mas não sei se funcional para a análise do que ocorreu no Brasil: a de que a queda da taxa de desemprego tenha decorrido do crescimento do produto no país.

    Acho que a literatura ainda não deixou isso claro, com várias outras influências importantes tendo empurrado a primeira taxa para baixo.

    Abração

  5. "…Você se baseia numa premissa muito correta teoricamente, mas não sei se funcional para a análise do que ocorreu no Brasil: a de que a queda da taxa de desemprego tenha decorrido do crescimento do produto no país…"

    É o contrário, não? O produto cresce com aumento da quantidade dos fatores de produção utilizados e com o aumento da produtividade. O aumento do uso da mão-de-obra existente permite o aumento do produto (é só uma questão contábil). Agora, outros pontos:
    – O aumento contínuo da escolaridade média da população (ocorrerá ainda durante muito tempo devido a questões demográficas – viva FHC e o FUNDEF) ajuda a aumentar o produto per capita.
    – Mudanças institucionais que permitissem ampliar a PEA (por exemplo, maior flexibilidade para empregos part-time) poderiam ajudar a ampliar o produto.
    – E o restante relativo a produtividade e taxa de investimento (já exposto aqui muitas vezes pelo Alex).
    Saudações

  6. No fundo são as duas coisas.

    A demanda aquecida pressiona o mercado de trabalho, que aumenta a taxa de emprego e viabiliza um produto mais elevado.

    Mas, essencialmente, é a demanda que dá início ao processo. Afinal, nenhum empresário contrataria mais um trabalhador à toa…

    Mas o meu ponto é: será que a queda da taxa de desemprego, no caso específico do Brasil dos últimos anos, se deveu à uma economia mais aquecida?

    A saber…

  7. "que agora compartilho com os 18 leitores" foi sensacional. Eu ri muito. Parabéns Alex. Mais um texto claro, conciso e coerente.

    Toda vez que eu leio os seus textos eu fico me perguntado quantos economistas de verdade existem nesse mundo. Parece que cada vez menos estamos bem representados.

    Alexander Julião

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