A tatuagem e o voto. Por José Paulo Cavalcanti Filho

A TATUAGEM E O VOTO

 Por José Paulo Cavalcanti Filho

       Para muitos, maior jurista do século XX foi o austríaco Hans Kelsen. Principal nome da Escola Normativista. Por sua Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre) – que abstraiu, do conceito do Direito, a ideia de Justiça. Perseguido por Hitler, dado ser judeu, perdeu suas cátedras. Fugiu da Alemanha com a colaboração de nazistas que o admiravam. E acabou professor na Universidade da Califórnia. Em Berkeley. Onde morreu (1973). Sua posição a favor do julgamento de Nuremberg rendeu-lhe numerosos detratores. E a defesa daquele voto o acompanhou, como um fantasma, por toda a vida. Talvez aconteça o mesmo com os quatro votos de sexta feira, no TSE.

Mas, para muita gente mais, jurista maior terá sido o italiano Francesco Carnelutti. Fundador da União dos Juristas Católicos. E principal inspirador do Código Civil italiano de 1940. Algumas frases suas, sobre julgamentos, evocam também os quatro votos de sexta.

Cito apenas: 1. A lei é igual para todos. Também a chuva molha todos, mas quem tem guarda-chuva abriga-se. 2. As pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, o que não é verdade. As pessoas pensam que a pena termina com a saída do cárcere, o que tampouco é verdade. Nove em cada dez vezes a pena jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, os homens não.

Inclusive quem viu aquele julgamento pela TV.

Lembro Carnelutti porque, dez anos antes de morrer (em Milão, 1965), escreveu artigo monumental para a Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile – La Crise del Diritto. Em que sustentava fosse, ideal do Direito, não só Justiça. Também Segurança e Paz. E foi inspirado nesses dois ideais que, no julgamento do TSE, quatro ministros abandonaram as provas abundantíssimas do processo. Por considerar que seria muito ruim, para o país, perder outro presidente. Sobretudo quando já vamos ter, no começo do próximo ano, eleições diretas.

Em palavras do ministro Gilmar Mendes, A cassação lançaria o país em quadro de incógnita. Respeito quem pense assim. Entendo as razões por trás dos votos. Problema, para esses que votaram, foi a fartura de provas sobre tanta corrupção. E é duro fazer de conta que nada disso existiu.

Em certa passagem, o ministro Admar Gonzaga dirigiu-se ao relator, ministro Herman Benjamim, e disse: O senhor não vai me constranger. Resposta: O que vai constranger os senhores serão seus votos. No plural. Palavras que valem para todos os que votaram pela absolvição. Imagino, ao dormir, como se lembrarão dos votos que deram. E das rezas, que devem ter rezado, para que todos se esqueçam do que fizeram.

É o preço, meus senhores. Tudo tem seu preço.

Também nesta sexta, um jovem de 17 anos foi detido por populares ao furtar uma bicicleta. Era usuário de drogas. E se defendeu com palavras que bem poderiam ser utilizadas por quase toda nossa elite política: Nem sabia o que estava fazendo. Seja como for, tatuaram na sua testa, para que assim ficasse ao longo da vida, Eu sou ladrão e vacilão.

Para sua sorte, a prefeitura de São Bernardo do Campo já providenciou operação médica para corrigir isso. Bem visto essa tatuagem, para o criminoso, foi um mal menor que aqueles quatro votos, para os eminentes ministros. Porque tatuagens podem ser apagadas.

E votos ninguém esquece.

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jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.

jp@jpc.com.br

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