Quero sentar na janelinha. Por Marli Gonçalves
De onde vivo tenho poucos horizontes para esticar os olhos, sobram só umas nesguinhas abertas entre um prédio e outro de São Paulo em sua área central. Mas eu me estico como posso, já que não tem dado para sair volitando por aí, tendo os prazeres de olhar mares infinitos. O binóculo, contudo, fica guardado, desnecessário, já que tudo aparece muito perto, que vem vindo, visível a olho nu, mas tal qual o país, continua inalcançável. Muita coisa a gente vê se aproximando, parece que há uma luz, mas esta nunca chega. Preciso providenciar uma luneta, para pontos mais longínquos; e mais paciência.
Assim está o nosso dia a dia. Literalmente dia após dia, semana após semana, mês após mês vivendo e sobrevivendo nessa reatividade, na dependência de que outros façam movimentos que destravem os nossos próprios passos. É horrível depender.
O nervoso e a ansiedade que isso dá levam à janelinha. Vontade de avistar perspectivas. Normalmente símbolo de poder – quem senta nela pode mais, e é mais importante – mas até essa premissa já era.
Agora na verdade temos é de ficar esperando de camarote, pro bem e pro mal, que os senhores do Poder, dos Poderes, se entendam pelo menos um pouco, em prol de um projeto comum. Depois, que se engalfinhem de novo!
Não é um balde de água fria, mas lembro que muitas vezes costumamos falar quando alguém acha que a solução vai cair do céu: “Puxa a cadeira aí e senta pra não se cansar”. Pelo menos é melhor fazer isso da janelinha, observando os movimentos que diariamente descrevemos em nossos textos, artigos, colunas e crônicas. Com o calor desregulado do planeta talvez ajude, fique mais fresquinho.
Mais uma vez queria poder estar vendo, falando e escrevendo sobre comportamento, sobre as questões femininas, sobre a liberdade que no meio de tudo isso vem sendo gatunada em decisões desses parlamentares de quinta categoria que infelizmente foram parar lá por conta do voto. Mas conhecemos como esse voto foi obtido. Com a mentira. Com a promessa do osso para roer.
É muito difícil saber das coisas, ter vivido para ver, ter até condição de prever o que acontecerá sem nem ser vidente. A gente sofre, porque também muitas vezes precisa se calar quando a turba toda corre numa mesma direção. Não poder, da porta para fora, falar o que se pensa mesmo, tudo, de verdade, dá uma gastura e tanto, mas é preciso e estamos num momento assim. Brigar no meio da multidão que está se voltando ou de joelhos para alguma Meca é tragédia anunciada, e nós podemos ser pisoteados.
Por enquanto, meus olhos grandes e atentos vão se distraindo, olhando para o céu, contando passarinhos – qualquer hora um deles pode pousar na minha janela com boas novas.
Se souber de algo antes, aviso vocês.
*Marli Gonçalves, jornalista — – Voyeur de seu tempo
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