Travessia: oportunidade para uma troca de gerações. Por Aylê-Salassié F. Quintão*

Travessia: oportunidade para uma troca de gerações

 Aylê-Salassié F. Quintão*

O Judiciário está tomado pelo nepotismo, o Legislativo pelo filhotismo, o Executivo pelo chantagismo e a sociedade enganada pelos crápulas.

  “O Hospital Regional de Sorriso, no Mato Grosso, está fechando as portas”, anunciou ontem, chorando, pela internet, o dr. Roberto Satoshu (30 anos de medicina), denunciando a falta de oxigênio, de remédios, de alimentação para os pacientes e pagamento para os médicos. Os internos começam a ser transferidos para outras unidades. Alguns tentam resistir. Contudo mais dois a três dias ali, e começariam a morrer por falta também de oxigênio na UTI e para a UTI neonatal. “Nunca antes neste País”… Não só fomos rebaixados, mas estamos também sendo ridicularizados. A política, a politicagem e o roubo dos cofres públicos tornaram-se explícitos. Olhem no que deu: aos poucos, perde-se a confiança da própria população.

O Judiciário está tomado pelo nepotismo, o Legislativo pelo filhotismo, o Executivo pelo chantagismo e a sociedade enganada pelos crápulas. Tudo caixa dois, alguns em espécie! Num país sério, Joesley da JBS  estaria em Bangu. Não em Nova York. Seus interlocutores também. O País não cresce, a classe média permanece no mesmo lugar, a pobreza se eterniza e os doentes começam a morrer nos hospitais. É a democracia  gerenciada pelos grupos de interesses e familiares, cujos vícios são  transferidos indefinidamente de um para outro,   de pai para filho e até para os netos.

 O mal instalado é de raiz. Rizomático: brota em qualquer lugar (Deleuze & Guatari, 2006). Reproduz-se de geração em geração. É uma linha de hábitos sucessórios danosos ao País, que começou lá atrás, tornando o brasileiro mais permissivo que igualitário. O ponto de convergência é a máquina do Estado,  dentro da qual constroem-se redes de sustentação.  Espalha-se dentro dela, misturando o privado ao público e vice-versa.

 No âmago dos aparelhos de Estado abrigaram-se vícios e práticas delituosas usados cinicamente nos embates da direita e da esquerda. Nesse espaço pantagruélico (Rabelais, 1494-1553), uma quantidade enorme de advogados banqueteia, deglutindo, maravilhados, os frutos que eles mesmos se encarregam de adubar. Questionam e esvaziam leis, geram  interpretações convenientes, conseguem transformar privilégios em jurisprudências. Tumultuam o ambiente institucional.

O cenário que aí está parece propício para uma transformação radical. Para começar, deveríamos ter, ao invés de um Ministério da Transparência – o Gil Castelo Branco resolve tudo isso sozinho –  um Ministério do Desmame, num estilo chavista mesmo, que se proponha a extirpar das entranhas do Estado estruturas oligárquicas arcaicas,  ladrões, criminosos e oportunistas.   Não se pode legar apenas à história o julgamento de determinados personagens. Como ficam os contemporâneos de tudo isso?

O mal instalado é de raiz. Rizomático: brota em qualquer lugar (Deleuze & Guatari, 2006). Reproduz-se de geração em geração. É uma linha de hábitos sucessórios danosos ao País, que começou lá atrás, tornando o brasileiro mais permissivo que igualitário.

Algumas medidas reclamam imediaticidade, como rejeitar ou extinguir na Justiça os recursos protelatórios. Suspender o foro privilegiado para parlamentares. Revogar a lei que assegura a prioridade à vaga de candidato, dentro dos partidos, para aqueles que já exercem mandatos. Limitar ainda mais o número de elegíveis, visando manter um ciclo de renovação constante da representação política. E last but not least trocar todo mundo que está chefiando por aí,  extinguindo, primeiramente, as tais agências reguladoras.

Referenciada, simbolicamente, a denúncia da menina síria, de 7 anos,  Bana Al Abed, feita do seu celular, em plena rua de Aleppo, cercada de cadáveres e bombas,  ajuda a perceber que, no Brasil, “A população está sendo massacrada”.

O Estado tornou-se um “não-lugar” (Augé,1995), espaço incapaz de dar forma a qualquer tipo de solução para os próprios brasileiros. A juventude  começa a  renegar as origens . Sírios e sudaneses passaram a migrar para o desconhecido, renunciando, inclusive, à nacionalidade.  É a evasão da massa crítica, dos melhores cabedais para administrar um País, os únicos que, de fato,  sabem conviver com as tecnologias de um mundo novo , sem precisar cobrar lealdades escusas. Esse povo está na rua desempregado.

Seria oportuno, portanto, excluir do Aparelho de Estado as oligarquias e os oportunistas. Restabelecer a moralidade. Quem pretender um cargo de Estado precisa, primeiro, comprovar vocação para lidar com a coisa pública; segundo, ter formação ou experiência de gestão; e , terceiro, passar por uma Comissão de Desmame, na qual terá julgada sua competência e folha corrida – isso mesmo -, num estilo policial investigativo. Por princípio caberá ao candidato– e não o seu avaliador – provar o  que diz.

Renovação política? Não!.. Ruptura mesmo – até nem sei se é possível sem uma revolução –,   introduzindo paradigmas novos e  um modelo alternativo de representação. Reformar as instituições totalmente, leis,  e dar lugar às gerações mais atuais. A mistura das novas gerações com as tecnologias de ponta tende a  viabilizar alternativas de gestão e  uma outra visão de mundo. Os mais velhos pouco teriam, certamente,  a contribuir para o futuro.  A grande dúvida é se os mais jovens precisariam, de fato,  manterem-se atrelados à retórica dos desígnios da História.

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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural

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