Devastação do Congresso e do governo põe economia e ordem pública sob o risco real de colapso. Por Antonio Machado
Devastação do Congresso e do governo põe economia e ordem pública sob o risco real de colapso
Antonio Machado
Delação premiada não é santuário de trambiques. Ações dos irmãos da JBS deveriam ser expropriadas e leiloadas para que se recupere parte das perdas que infligiram ao país
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM CIDADE BIZZ, 22 de maio de 2017
A nação ameaçada
Desde que foram divulgados os áudios de conversas dos açougueiros da JBS com figurões da República, incluindo o presidente, têm sido frequentes notas pesarosas externando “espanto”, “indignação”, como se manifestaram OAB e CNBB, com o strip-tease dos usos e costumes indecorosos da política nacional. A muitos poucos ocorre que também se torna espantoso o acelerado colapso do Estado brasileiro.
Não falo do déficit orçamentário nem do endividamento do Tesouro, que são apenas expressões contábeis do quadro de desídia das ditas autoridades com a administração da coisa pública, como atestam as delações dos corruptores e o cinismo dos corrompidos, com alguns se lixando para consequências ao se postarem de vítimas e convocarem protestos como se fosse a democracia que estivesse ameaçada.
Falo de expressões materiais de um sistema político cuja prática recorrente vem sendo exposta e condenada sumariamente sem que haja o que por no lugar até pela falta de grupos organizados que saibam o que fazer no dia seguinte à debacle institucional já em estágio avançado e começando a flertar com o caos e anarquia generalizada.
Nos últimos dias, por exemplo, corre entre gente graúda de Porto Alegre uma lista pedindo doações para equipar a polícia, carente de gasolina, peças de reposição de viaturas, armas e munições. No Rio, os salários estão atrasados e onde há calma relativa – é importante não se enganar -, há acordos velados entre autoridades e chefões de quadrilhas com alcance nacional. Estes cuidam, por assim dizer, do crime miúdo, enquanto os outros fingem combater o crime organizado.
A saúde, outra atribuição elementar do setor público tanto quanto a segurança e a educação, também opera em regime de calamidade. Não há cidade sem problemas graves de atendimento. E o que significa a volta de endemias supostamente extintas, como febre amarela, senão a contraprova dessa tragédia processada em marcha lenta tais como as rachaduras dos diques de poluentes das mineradoras em Mariana?
Prefeitos recusam repasses federais para construção de postos de saúde, escolas e até creches por não terem como bancar, depois, o custeio desses aparelhos. A tanto se chegou não bem pela corrupção, mais sintoma que causa da degeneração do Estado nacional, mas por um conjunto de omissões e más políticas que ações moralizadoras, embora necessárias, não resolvem nem garantem um “novo Brasil”.
Para onde estamos indo?
A verdade é que até revoltas espontâneas tem um nexo na partida e na chegada, assim como ninguém acorda sem saber o que fazer e para onde ir. O Brasil dos últimos tempos acorda para ir a lugar nenhum.
É isso o que ocorre se se avariam trem e maquinista, metáforas da política encrencada, tirando-se da população o direito de ir e vir.
Não se trata de abafar investigações, poupar os corruptos, mas de atentar para o vazio institucional, como agora, com Temer ferido de morte, numa sequência que já estirou no chão lideranças à esquerda e à direita do espectro político, sem ação articulada (e caso haja alguma ela é ilegítima, pois tramada na penumbra) e consenso sobre substitutos e sobre o que fazer em seguida.
Ambiente de linchamento
Não estão em risco apenas reformas como a da previdência, que as corporações à frente do movimento saneador recusam aceitar embora sejam mudanças que visam diminuir iniquidades que as tornam corpos privilegiados à custa da sociedade desprotegida. É a economia que se defronta com a ameaça do colapso com a devastação já em passos firmes no Congresso e no governo, ou seja, a ordem pública.
É preocupante que altas autoridades combinem com antecedência todo um enredo para divulgar delações, como dos irmãos da JBS, incluindo disseminar previamente versões não comprovadas depois nos áudios e transcrições sobre o que ainda será objeto de comprovação.
O que se quer com isso? Criar um ambiente de linchamento? Sugerir que todo político é ladrão? Fica sub-reptícia a ideia de que não há futuro sem salvador da pátria. Curiosidade: fardado ou togado?
Santuário de trambiques
Os fatos são reais: a corrupção é avassaladora, tem de ser detida, mas preservando a economia e saneando o modus operandi dos partidos e do Estado brasileiro – causas decisivas do festival de horror que se está revelando.
É como pneu furado: vai-se com ele até onde se possa trocá-lo com segurança. Qualquer coisa diferente é aventura.
Há que cuidar também das penas aos corruptores, de modo a que não se faça da delação salvo-conduto a trambiques, um risco latente no que se diz prometido aos irmãos Joesley e Wesley. Graças à proteína de capital público e porteiras abertas pelos governantes petistas, a JBS saltou de R$ 4 bilhões para R$ 170 bilhões de faturamento em dez anos e trama para tirar do Brasil sua sede jurídica.
Suas ações deveriam ser expropriadas e leiloadas para que se recupere ao menos parte das perdas que infligiram. Mas há que ter governo e projeto.
Contra vácuo de autoridade
Que sirva de alerta à força pública a reação dos mercados ao saber como se furo jornalístico fosse o que envolvia o presidente. Bolsa, dólar e papéis públicos desabaram, exigindo intervenção sumária do Banco Central e do Tesouro Nacional para evitar um crash tão letal como aconteceu logo após a grande quebra de Wall Street em 2008.
Os prejuízos foram contidos pela intervenção eficiente, mas assim como enchente rio abaixo o desastre continuará, dependendo do que se fizer. Gente consciente do empresariado falava na sexta-feira em recompor um polo político de referência reunindo lideranças a salvo de denúncias no Congresso e ministros dos tribunais superiores para preencher o vácuo de autoridade e sustentar a ordem econômica.
O senador Tasso Jereissati é um desses nomes possíveis para firmar um acordo que leve o país até as eleições gerais com paz relativa e segurança constitucional. Algo diferente pode implicar o pior.
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ANTONIO MACHADO – É JORNALISTA. Colunista dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas, editor do Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br)