Joesley preso e investigação extinta. Por João Carlos Biagini
JOESLEY PRESO E INVESTIGAÇÃO EXTINTA
Por João Carlos Biagini
Uma interpretação jurídica do caso
I – FOCO JURÍDICO
Este trabalho tem objetivo de analisar juridicamente os fatos geradores da crise ora em andamento no Brasil. Não tem o objetivo de defender o presidente da república, mas de inserir os fatos dentro do Direito vigente, tão maltratado ultimamente.
O fato de o presidente da república receber um investigado não pode ser defendido por vários motivos: ele foi imprudente e, sabedor que o Joesley estava preparando delação premiada, não poderia se arriscar; o cargo de presidente da república e todos os demais cargos públicos exigem clareza de comportamento e todas as audiências devem ser públicas; em tempo recente, o ex-senador Sérgio Machado fez o mesmo com amigos antigos e, ética e moralmente, foi um fato deplorável.
Mas já aconteceu e faremos uma análise jurídica dos fatos.
II – FATOS GERADORES DA CRISE
Todos nós, brasileiros, estamos acompanhando a nova crise gerada por uma gravação espúria. Um cidadão que retirou, com a concordância dos governantes de plantão, desde 2003, cerca de dez bilhões de reais, do nosso dinheiro para criar empresas nos EUA. Agora, quando se encontrava enrolado e deveria ser preso, auxiliado pelo Ministério Público de Brasília e pelo Supremo Tribunal Federal, fez uma “delação premiada”, esta sim, verdadeiramente premiada, pois permitiu ao Joesley, sua família e seus diretores de empresa sair do Brasil, levando todo o nosso dinheiro e ainda deixando uma crise nacional, que pode anular todas as ações em andamento para a recuperação dos treze milhões de empregos perdidos e centenas de milhares de empresas fechadas.
A Folha de São Paulo publicou que a fita gravada tem mais de cinquenta edições, ou seja, foi modificada mais de cinquenta vezes.
Consta do noticiário, também, que diretor da empresa de Joesley afirmou que o dinheiro entregue ao deputado Rocha Loures seria para o pagamento de intervenção dele junto ao CADE, cuja decisão teria sido favorável em função do pagamento. O CADE refutou a afirmação dizendo que o processo está na fase inicial de investigação e não houve manifestação de nenhum agente público para favorecer Joesley e sua empresa.
Por essas circunstâncias, a investigação deveria ser feita contra Joesley e suas empresas e não contra o Brasil, pois a delação premiada está atingindo todos os brasileiros.
III – GRAVAÇÃO ILÍCITA NULA
Entendemos que o ponto a se discutir é sobre a validade da gravação ilícita. A gravação foi feita sem o conhecimento do outro interlocutor, o presidente Michel Temer, o que não é permitido pela Constituição Federal, conforme se verá abaixo.
Pior que isso, a gravação foi feita para atingir fins, em nosso entender, também ilícitos: se livrar de todas as acusações, fugir para os EUA e ficar com todo o dinheiro dos brasileiros.
Com agravantes: segundo o noticiário, Joesley e sua empresa venderam ações na alta para comprar na baixa e compraram grande quantidade de dólares no dia anterior da divulgação dos supostos ilícitos do presidente da república para a obtenção de enormes lucros com a alta do valor do dólar. Um estelionato clássico.
A gravação foi combinada com o Ministério Público e os questionamentos foram forçados para que o presidente dissesse o que interessava para a obtenção das vantagens ilícitas em detrimento de toda a Nação: anistia ampla e irrestrita, com todo o lucro do dinheiro levado.
A degravação terá valor para mostrar a capacidade de cometer crimes de Joesley. Mas, em nosso entender, não tem nenhum valor contra o presidente da república, porque a prova é ilícita.
O STF deve anular tudo e paralisar a investigação.
IV – CONSTITUIÇÃO E STF
A Constituição Federal é taxativa e restritiva na questão da prova ilícita. A obtenção de prova ilícita, na apuração de infração penal, é proibida, v.g.:
Constituição FederalArt. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:…LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; |
A redação do texto constitucional não permite interpretações elásticas ou elucubrações jurídico-filosóficas para modificá-lo.
A linguagem é clara e taxativa no uso do adjetivo inadmissíveis. Na no caso da frase na ordem direta: as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis, é o predicado nominal. Inadmissível tem como sinônimos os adjetivos inaceitável, intolerável e incabível.
O Supremo Tribunal Federal até extrapolou o texto legal, aceitando a prova “ilícita” obtida pelo réu para a sua própria defesa, o que não é o caso deste debate, no qual o interlocutor fez a gravação para obter vantagem e enorme vantagem com o prejuízo da Nação.
No caso de produção de prova para a sua própria defesa, o STF assim se manifestou:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula
282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. – gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. – Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. – A questão relativa às provas ilícitas por derivação “the fruits of the poisonous tree” não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. – A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. – Agravo não provido” (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.).”
Porém, a prova ilícita, obtida às escondidas ou com a manipulação de encontros com a polícia para as gravações não são provas obtidas pelo réu.
No caso da investigação contra o presidente da república, a prova foi obtida às escondidas, premeditadamente e com o objetivo de fundamentar a acusação contra o presidente e de prejudicar a Nação inteira, pois o dinheiro do BNDES é do povo brasileiro.
Em nosso entendimento, quando a Constituição Federal expressa categoricamente a negativa – são inadmissíveis – não há possibilidade de relativizar o comando, nem mesmo nessa hipótese ementada acima, pois independe da interpretação.
E, por fim, se a interpretação da norma impeditiva da inadmissibilidade da prova ilícita for relativizada, estaremos infringindo o o artigo 5º, caput (parte) que estabelece a igualdade de direitos perante a lei: “Todos são iguais perante a lei…”
V – DESENTRANHAMENTO – CODIGO DE PROCESSO PENAL
Nossa Carta Magna é de 1.988. Depois de vinte anos de sua vigência, em 2008, através da lei nº 11.690, nossos legisladores resolveram fazer alterações no Código de Processo Penal.
Uma delas diz respeito, exatamente, à inadmissibilidade de provas ilícitas. Com um acréscimo: determinando o desentranhamento da prova ilícita dos autos, v.g.:
Código de Processo Penal
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
A perícia solicitada pela Folha de São Paulo afirma que a gravação foi editada mais de cinquenta vezes. É importante para provar que é viciada, sem valor.
O mais importante é a questão da sua inadmissibilidade. A prova é inadmissível e deve ser desentranhada da investigação, inquérito ou qualquer nome que se queira dar à acusação formulada contra o presidente da república.
VI – DOS SIGILOS E PRIVACIDADES NAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Há outras normas constitucionais que podem ser complementares aos direitos das pessoas, que podem ser utilizadas no caso presente.
No artigo 3º e inciso I da CF está escrito:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
A atuação de Joesley, com o auxílio dos organismos federais, foi efetivada para defender e promover o bem comum das pessoas, existe justiça e solidariedade?
É justo Joesley e sua equipe saírem do Brasil, sem receber nenhuma pena pelos crimes cometidos, lucrarem na Bolsa de Valores e na compra de dólares e levarem suas empresas para o exterior?
A atuação dos órgãos governamentais pode ser considerada uma busca pela solidariedade?
A resposta para todas as perguntas é não.
Ainda outra questão emerge do caso. O domicílio é inviolável. Todas as famílias que recebem pessoas em suas residências imaginam ser elas de confiança, que não tem a intenção de cometer crimes nos seus recintos íntimos.
Além da intimidade da vida privada, a honra e a imagem das pessoas também não podem ser utilizadas para obtenção de vantagens. São as regras do artigo 5º, incisos X e XI da CF:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
A Lei nº 9.296, de 24.07.1996, editada para regulamentar a parte final do inciso XII do artigo 5º da CF, proíbe a gravações, telefônicas ou não, sem autorização expressa do juiz.
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
No caso, a gravação de conversa com o presidente da república, ou com qualquer outra pessoa, somente poderia ocorrer, depois de justificação prévia, com autorização do juiz, no caso, de Ministro do STF.
Diz-se que a gravação aconteceu no dia 07 de março de 2017, por vontade própria de Joesley, já com o objetivo predeterminado de livrar a si e aos seus da ação penal e ficar com as empresas instaladas fora do Brasil, com os dez bilhões do BNDES livres de qualquer punição.
Portanto, a gravação de Joesley não pode ser admitida também por essas considerações.
VII – IMPRUDÊNCIA DO MP E STF NO USO DE GRAVAÇÃO
A situação brasileira está muitíssimo grave, com treze milhões de desempregados, herdados da má gestão administrativa do Brasil pelos governos anteriores.
Recentemente, houve o episódio da operação “Carne Fraca”, que objetivava punir corruptos. Porém, diante dos alardes e da especulação que se criou, acabou prejudicando o Brasil e todos os brasileiros.
Nesse caso, com acusações contra o presidente da república, por uma pessoa que se aproveitou do dinheiro do povo – BNDES – para enriquecer e que visava se livrar dos seus crimes, o cuidado deveria ser muito maior.
Os danos provocados são irreparáveis.
No âmbito político, os deputados e senadores, representantes dos eleitores e dos Estados, que também contém os eleitores, estão querendo “abandonar” o governo. Em nosso entendimento estão abandonando o Brasil e todos os seus eleitores. Ao visar somente projetos próprios e vincular suas participações no governo à proteção dos partidos ou de seus umbigos, os representantes do povo estão virando as costas para seus representados.
No plano econômico, o grupo de Joesley – JBS – há tempos estava prejudicando o mercado ao estabelecer, com a ajuda governamental, um monopólio nacional da carne, com a eliminação, através da compra com dinheiro do BNDES, de quase todos os concorrentes. E, agora, tomamos conhecimento de ter se tornado internacionalmente o maior operador no mercado da carne, portanto com o dinheiro dos contribuintes brasileiros.
O Editorial do Jornal “O Estado de São Paulo”, deste 22.05.2017, intitulado “Golpe de Mestre”, vem com a seguinte assertiva final:
“Para saírem impunes e salvarem suas empresas, os irmãos Batista sabiam que tinham de entregar ao Ministério Público o prêmio mais cobiçado – a possibilidade de destruição integral do mundo político, tão desejada pelos procuradores. Para os irmãos Batista, que moram em Nova York e cujos negócios estão, em sua maior parte, no exterior, pouco importa o caos que sua irresponsabilidade criminosa ajudou a criar no Brasil. Para os que aqui ficam, resta a duríssima tarefa de proteger as instituições democráticas dos muitos aventureiros que nessas horas sempre se oferecem para salvar a pátria”.
A repercussão internacional da divulgação da gravação terá consequências danosas por vários anos. A credibilidade do Brasil e das instituições brasileiras foi definitivamente destruída e dificilmente será recuperada.
VIII – JULGAMENTO DO STF – ANULAÇÃO DE TUDO
Em nosso entendimento, não há possibilidade de nova interpretação ou interpretação extensiva que permita o aproveitamento de gravação por terceiro, no caso Joesley, para produção de prova contra o acusado, no caso o presidente.
E ainda pior neste caso, cujo objetivo de Joesley foi obter vantagem em benefício próprio, nas esferas penal e econômica.
A gravação ilícita, feita dentro do domicílio do presidente da república, pelas várias circunstâncias e legislação acima exposta, não pode permanecer nos autos investigatórios ou inquérito, razão pela qual o STF poderá determinar sua anulação e seu desentranhamento dos autos.
E Joesley deveria ser preso e junto com suas empresas serem responsabilizados, penal e civilmente, pelos imensos danos causados à Nação Brasileira.
Guarulhos, 22 de maio de 2017.
João Carlos Biagini – advogado
Comentários assim são sempre bem-vindos, pois além de esclarecer fundamentando os argumentos, mostra-nos caminhos mais verdadeiros e que, o mais importante, conseguem deixar um pouco de esperança para os brasileiros que querem trabalhar honestamente e prover suas famílias de uma vida mais digna e feliz.
Parabéns e que “nossos representantes” tenham um pouco mais de vergonha e boa inspiração.