Macunaíma entre nós. Por Josué Machado
MACUNAÍMA ENTRE NÓS
Josué Machado
Quando Mário de Andrade criou “o herói sem nenhum caráter”, parecia estar adivinhando a natureza maravilhosamente torpe de criaturas da vida pública brasileira atual – sobretudo uma delas.
O senador José, também conhecido como Renan Vasconcelos Calheiros, foi recebido há dias por Temer em reunião para garantir assuntos de interesse do povo.
Sim, Calheiros estava lá com seu sorriso profissional permanente, ao lado de Michel Miguel, para discutir as reformas trabalhista e da Previdência Social, junto com outros senadores do PMDB, a maior de todas as quadrilh, isto é, partidos.
Renan, ou Macunaíma, o líder da quadrilh, isto é, partido, sorria ao lado de Temer. (Macu, para os íntimos, sempre sorri seu sorriso francamente franco.)
Graças a suas proverbiais oscilações com gloriosas idas e vindas, dizem ser a encarnação perfeita de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Nenhum, nenhum, nenhum, mas nenhum caráter mesmo. Nem um pequeno vestígio de caráter, como convém à criatura que flutua sempre e como a criou Mário de Andrade.
Há parecidos, como o ministro Kassab, dono do PDS, que fundou e comanda — uma quadrilh, isto é, um partido nem de centro, nem de direita, nem de esquerda, mas sempre com o governo, qualquer governo: pulou do colo frio de Dilma para o quentinho (por enquanto) de Temer.
Nas esferas federais de apoio, há gente como “Caju” ou Jucá, Lobão, Collor, Moreira, Aócio, Cerra, Barbalho, Gilmar Bocarra do STF — a maioria, enfim. Que elenco!
Mas José é o expoente máximo da oscilação típica de bambu, que sempre se inclina aos ventos, mas jamais se quebra. Resiliência extrema moldada para o bem mal!
Já apoiou Collor, depois se opôs a ele; foi ministro da Justiça de Fernandenrique, depois o renegou; apoiou Luizinácio, em momentos, depois o desapoiou; apoiou Dilma, depois se opôs a ela.
Tanto se opôs que votou pela cassação do mandato da presidentA, mas ao mesmo tempo participou da manobra enviesada, com o ínclito ministro do STF Ricardo Lewandowski, para manter os dilmísticos direitos políticos. Coisa do outro mundo, prevista apenas na Constituição de Tonga.
Em 2007, Macu renunciou ao cargo de presidente do Senado por causa da acusação de ter uma filha mantida com recursos da empreiteira que lhe pagava a pensão.
Mais tarde, gastou bufunfa do contribuinte pagando viagens a Recife em aviões da FAB para o implante capilar com a equipe médica que lhe cobriu o telhado prestes a se desguarnecer por inteiro.
Agora teme não ser reeleito senador — sua proteção e sólido ganha-pão (põe pão nisso), pela perda crescente de prestígio do governo Temer, que apoiou no princípio, mas passou a criticar querendo mais. E oscila pra lá e pra cá, com medo de perder votos com a mesma velocidade com que cresce o desprestígio de Temer no Nordeste, aprisco de Macu.
Então, Macu se equilibra entre o apoio algo envergonhado às reformas propostas, embora as critique com medo de perder mais prestígio, e a querida reeleição que lhe preserva o privilégio de ser julgado apenas pelo STF nos atuais 16 inquéritos (13 na Lava Jato) a que responde por malfeitorias macunaímicas variadas – coisa para 20 ou 30 anos de sossegada espera macunaimesca desprovida de preocupação. Se mantiver o mandato.
Essa é a encarnação de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Nenhunzinho.
IMAGEM ABERTURA:MACUNAÍMA EM QUADRINHOS - por Angelo Abu e Dan X
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade