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O Rubicão de Jair Bolsonaro. Por João Russo*

… No Brasil, durante a ditadura militar, Tancredo Neves dizia que, em momentos de crise política intensa, não se podia atravessar o Rubicão. Era a imagem que usava para lembrar que se tratava de um desafio aos militares de então, que detinham o poder do AI 5…

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       Na antiga Roma havia uma ordem: os generais eram obrigados a estacionar suas tropas a Nordeste de Roma, quando retornavam de campanhas, às margens do Rubicão, rio que demarcava uma prudente distância de 340 km entre o Poder Civil da República Romana, representada pelo Senado, e o poder militar. Era a lei.

          Embalado por vitórias, o general Júlio Cesar o cruzou com seus exércitos vitoriosos, entrou em Roma, tomou o poder, e subjugou o Senado à sua vontade, como Pretor de Roma.

           No Brasil, durante a ditadura militar, Tancredo Neves dizia que, em momentos de crise política intensa, não se podia atravessar o Rubicão. Era a imagem que usava para lembrar que se tratava de um desafio aos militares de então, que detinham o poder do AI 5.

           O Rubicão de Ulysses Guimarães se expressou em afirmação feita em Salvador, Bahia, quando foi atacado por policiais armados, que o cercavam açulando seus  cachorros:  “Cachorro não é urna, baioneta não é voto” ou na citação do poeta Fernando Pessoa: Navegar é preciso, pregando que era preciso paciência no enfrentamento das águas turvas e traiçoeiras da ditadura de então.

           O ex-presidente Ernesto Geisel impediu que o general Sylvio Frota, então ministro do Exército, atravessasse o Rubicão e reinstalasse a anarquia militar vigente desde o AI 5. Foi em 1977, na crise iniciada pela demissão do general Ednardo D’Avila Melo do comando do então 2° Exército, após a morte nas instalações do Doi Codi do jornalista Wladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho.

           O ex-presidente general Figueiredo, governando sem o AI 5, também teve seu Rubicão. Declarava ameaçador, a cada ameaça de crise institucional, num linguajar de gramática canhestra: “Eu recrudesço e chamo o Pires“ (Walter Pires, ex-ministro do Exército), ameaçando fazer o Exército atravessar o Rubicão, o Forte Apache. em Brasília, habitado pelo comando do Exército. Assim o fez no Estado de Emergência decretado para Brasília, no tempo da votação das Diretas-já. As diretas não foram aprovadas, o Estado de Emergência acabou suspenso, e o general Newton Cruz, a quem confiaram a transposição do Rubicão, se recolheu ao Forte Apache com suas tropas.

… Pazuello se transforma assim no Rubicão de Bolsonaro. Pretenderia Bolsonaro, além de ex-militar subversivo, adicionar ao próprio currículo o epíteto de presidente subversivo, que transpõe às avessas o Rubicão político, solapa o Forte Apache (a sua Roma de César)…

           Nos 36 anos que nos separam do fim do ciclo de governos militares, de tutela das Forças Armadas sobre o Poder Civil, mesmo nos momentos mais difíceis – e não foram poucos – os militares se mantiverem respeitosamente atrás dos limites do Rubicão político, desenhado pela Constituição de 1988. Nesses anos, esgares políticos de comandantes intempestivos houve, mas sem consequências graves.

           Nos tempos atuais, um civil eleito, que jurou respeitar a Constituição, o regime democrático, as instituições da República do Brasil, ex-militar pregador da tortura e do terrorismo, “mau militar” na definição do general Geisel, busca, agora como comandante-chefe das Forças Armadas, subverter o Código de Conduta dos Militares, comunicando ao comandante do Exército que não quer, não aceita, não admite, qualquer punição ao general Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército que participou pessoalmente de manifestação política de apoio ao próprio presidente.

       Bolsonaro fez isso na Amazônia, inaugurando uma pinguela marota sobre as águas calmas do Igarapé Ya-Mirim. Já Pazuello, de maneira cínica e desrespeitosa, em sua defesa, diz se tratar de homenagem ao cidadão Jair Messias Bolsonaro, por coincidência o presidente da República, principal cargo político da Nação.

           Pazuello se transforma assim no Rubicão de Bolsonaro. Pretenderia Bolsonaro, além de ex-militar subversivo, adicionar ao próprio currículo o epíteto de presidente subversivo, que transpõe às avessas o Rubicão político, solapa o Forte Apache (a sua Roma de César), subjuga o Alto Comando e assume de fato o comando do “meu exército”?

         Seria Bolsonaro um presidente, ex-militar, que insiste em impor ao país seu DNA subversivo, e cuja família se julga donatária de votos recebidos pelo chefe, que os quer traduzir num mandato plenipotenciário?

           Apenas um narciso negacionista e raivoso, um Midas às avessas, que não admite ser contrariado?

           Ou seria apenas um daqueles civis buliçosos aos quais o marechal Castelo Branco se referia como: “vivandeiras alvoroçadas, que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”?

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*João Russo – foi repórter e editor de Política da Rede Bandeirantes de Televisão, produtor e apresentador duas vezes premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte, repórter e editor de Política da Folha de S.Paulo.

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