De “neuro” a caju com escalas. Por Josué Machado
DE “NEURO” A CAJU COM ESCALAS
O prefixo “neur(o)-” está-se difundindo tanto que em breve será introduzido em lugares jamais antes suspeitados.
Sabemos quase todos que há em português umas quinhentas palavras, entre derivadas e compostas, formadas com o prefixo “neur(o)-”, como lembra o Houaiss.
Pois “neur(o)-” é um antepositivo que vem do grego neûron, ‘nervo, fibra’. É usado em termos científicos, entre derivados e compostos, em especial da anatomia e patologia e das biociências, que lidam com fibras nervosas.
Daí que neurociência, por exemplo, é qualquer ciência, ramo de ciência ou conjunto de conhecimentos que se refere ao sistema nervoso, especialmente o do cérebro.
(Já chegaremos ao caju.)
Neurociência, portanto, indica uma espécie de encontro entre as ciências biomédicas e as ciências humanas. E figura entre as palavras bem formadas com esse prefixo por seu significado indiscutível. Assim como neurastenia, neurofisiologia (ramo da fisiologia que cuida do sistema nervoso), neurobiologia celular e molecular, etc.
Neuropsiquiatria também é palavra bem formada, porque engloba um ramo da medicina que inclui a neurologia e a psiquiatria.
(A caminho do caju.)
Mas “neuropsicologia”, por exemplo, não tem a mesma boa formação, porque psicologia é a ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento, sem relação direta com a neurologia.
Ocorre que nos últimos tempos tem surgido uma enxurrada de palavras também malformadas, compostas com “neur(o-)”, em que o significado básico desse maltratado prefixo (nervo e fibra) é entendido como “corda”. Daí, por exemplo, neurobalística, parte da balística que estuda máquinas de guerra anteriores às armas de fogo, em que o impulso é transmitido por cordas. Isso é que é tomar liberdade com a língua.
(Já lá chegaremos.)
Mas tudo bem, porque a língua é um organismo vivo que se move muito e se altera sempre.
No entanto, parece injustificável ou, no mínimo, pouco consistente, o uso de “neur(o)-” em certas palavras como “neurolinguística”, “neuromarketing” – noções que observadores atentos da etimologia consideram ser formas um tanto discutíveis, quando não oportunistas, de tentar dar mais consistência a cursos de autoajuda e atividades similares.
O que não impede que a autoajuda ajude a quem precisa de ajuda.
Pelo mesmo caminho, pelo menos discutível, parecem ir conceitos um tanto vagos como “neurobusiness”.
Na onda flutuante do “neur(o-)”, já que “massagem” foi promovida a “massoterapia” – muito mais nobre, e “massagista” a “massoterapeuta” –, por que não evoluir para “neuromassoterapia” e “neuromassoterapeuta”?
O que custaria mais? Uma sessão de massagem ou uma de neuromassoterapia com aventais brancos, máscaras e meia-luz?
(O caju está perto.)
Daí se pode ir para neurofutebol, neuro-onanismo, neurocoprofagia. Por que não, se vale tudo?
E que tal uma boa neurolibidinagem ou, melhor ainda, uma boa “neurossuruba”? Ela seria baseada na pregação de “suruba para todos”, como orientou em plenário o magnífico senador Romero Jucá, também conhecido como Caju, o grande Caju apoiador de todos os governos desde o início dos tempos.
Sim, “neurossuruba”. Não falta muito.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade