A marca da maldade

A invenção das partidas
dobradas pelo monge e matemático Luca Pacioli no final do século XV foi tão
importante que ninguém menos que Max Weber marca o início do capitalismo a
partir deste evento. A ideia de um registro fiel das transações econômicas foi,
sem dúvida, revolucionária ao possibilitar o cálculo capitalista, ou, nas
palavras do próprio Weber: “a contabilidade monetária atinge o
mais alto grau de racionalidade como meio de orientação da atividade econômica pelo
cálculo quando toma a forma de contabilidade do capital
”.
Menos conhecido que Luca
Pacioli é seu irmão gêmeo malvado, Guido Pacioli, o inventor da contabilidade criativa, que, ao
contrário da tradicional, se ocupa em criar registros que pouco ou nada se
relacionam com o fenômeno econômico.
É nesta categoria
original que se enquadra o Fundo Soberano do Brasil (FSB, conhecido no exterior
como Brazilian Sovereign Fund, ou BS Fund). Enquanto em outros países os
fundos soberanos se originam de superávits governamentais, em geral provenientes
de receitas associadas a algum recurso natural esgotável (petróleo, gás, ou
minério), o FSB surgiu em 2008, quando o setor público registrou um déficit
total equivalente a 2% do PIB.
Em dezembro daquele ano
o governo federal contabilizou como despesa a constituição do FSB, R$ 14,2
bilhões (cerca de R$ 19,5 bilhões a preços de hoje), muito embora não tenha
comprado nenhum bem ou serviço, o que seria necessário para caracterizar, pela
ótica do bom Pacioli, uma despesa no sentido econômico do termo. Na prática subestimou
o verdadeiro resultado primário do governo federal.
Em 2012, porém,
confrontado com um desempenho fiscal aquém do prometido o governo contabilizou
cerca de R$ 13,7 bilhões (em moeda de hoje) como se receita fosse, inflando
artificialmente o saldo primário federal. Agora, em face da mesma insuficiência
de desempenho, acena com a possibilidade de repetir a operação se utilizando
dos R$ 3,5 bilhões que ainda “sobrariam” no FSB, muito embora isto não resulte
da redução de bens e serviços disponíveis para o setor privado (como no caso da
arrecadação de tributos), mascarando assim a competição entre os setores
público e privado pelos mesmos recursos.
(A propósito, como os
18 leitores devem ter notado, em moeda do hoje os “saques” do FSB somariam R$
17,2 bilhões, bem menos que o depósito inicial de R$ 19,5 bilhões, sugerindo
que alguém andou perdendo dinheiro no meio do caminho).
Neste caso fica claro
que, a exemplo do ocorrido em anos anteriores, trata-se de operação puramente
contábil, sem qualquer efeito direto na vida real (além, óbvio, daquele que resulta
da desmoralização persistente dos padrões da contabilidade pública).
É, portanto,
estarrecedor que a presidente da República, supostamente uma economista,
considere “estarrecedor” que analistas sérios
das contas públicas questionem a utilização do FSB. Segundo ela “o fundo tem uma
característica contracíclica (…). Se o ciclo está ruim, ele aumenta o gasto
para conter o ciclo. Se o ciclo está bom, ele segura o gasto e faz uma poupança”.
A presidente parece desconhecer
que o FSB não tem nada a ver com este tipo de operação, precisamente por não
representar compra ou venda de bens e serviços que afete de alguma forma a
atividade econômica.
Isto dito, senão
estarrecedor, é curioso que a mesma presidente que aponta para o desemprego
baixo como sinal que vai tudo bem na economia venha ao mesmo tempo afirmar que
passamos por um momento ruim.

Como já notei mais de
uma vez neste espaço, a fraqueza da economia é sempre invocada para justificar
o aumento do gasto, enquanto em momentos de crescimento mais forte, utiliza-se
a arrecadação crescente como justificativa para novas despesas. Ou seja,
contracíclica é a desculpa para gastar, atitude que certamente deixaria Guido
Pacioli ainda mais orgulhoso do que já está.
Hello, Danny. Come and play with us. Come and
play with us, Danny. 
Forever…
and ever… and ever.
(Publicado 01/Out/2014)

5 thoughts on “A marca da maldade

  1. Pô Alex, eu achava que você já tinha se fartado de se divertir às custas do Mantega, e fui procurar "Guido Pacioli" no Google, dando resultados para… esta página.

    Deixa o homem trabalhar (ooops, desculpe, deixa o homem descansar) Abs

  2. a Dilma faz quenem qualquer brasileiro mediano.

    o cara gasta mais do que ganha, guarda uns trocados na poupança por que dizem que é bom para emergência e assim que o banco aprovar entra num financiamento dum carro altinho.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter