Uma sábia lição: por que tomar tantos remédios? Por Ricardo Kotscho
Uma sábia lição: por que tomar tantos remédios?
Por Ricardo Kotscho
…”Meu filho, o trabalho não mata ninguém. O que mata é a raiva, quando você é obrigado a fazer o que não gosta, e a tristeza de não poder fazer o que gosta. Eu gosto do que faço”… (Adib Jatene)
Publicado originalmente no Balaio do Kotscho, 18 de abril de 2017
Pela primeira vez em muito tempo, peguei um táxi na segunda-feira com um motorista sorridente, que não falou da Lava Jato nem de políticos corruptos, delações, reformas, nada disso. Não reclamou da vida e ainda me deu uma sábia lição.
Contei que tinha acabado de sair de mais outra consulta, depois de uma longa romaria por médicos especialistas, laboratórios de exames diversos, remédios de todo tipo.
“É aí que está o erro. Meu pai está com 92 anos, casado com mulher 30 anos mais nova, nunca vai ao médico e não toma remédios, como eu, que tenho a mesma idade dela”.
Lembrei-me de minha mãe, que trabalhou até os 70 anos e só foi ao médico quando fez 80, levada, contra a vontade, pelos dois filhos.
O médico lhe perguntou quando fora ao ginecologista pela última vez.
Ela não só não lembrava, como nem sabia direito do que se tratava.
Após longa consulta, o médico lhe garantiu que estava muito bem de saúde, não encontrou nenhum problema aparente, mas mesmo assim recomendou-lhe fazer alguns exames, só por garantia.
“De jeito nenhum! Para que? Se eu não estou sentindo nada nem o senhor encontrou nada, vou fazer exames para descobrir coisas e depois ter que tomar remédios?”, reagiu a velha senhora no seu estilo alemãzona.
De lá para cá, com o advento da internet, as coisas mudaram muito.
Ao consultar o “doutor Google”, todo mundo virou médico de si mesmo – e dos outros.
Virou uma febre, literalmente. Nas rodas de conversa na família ou no boteco, quando o assunto não é política, sempre aparece alguém que descobriu um novo médico fantástico, uma nova doença e, claro, novos remédios milagrosos para curá-los.
O sujeito pode não ter doença nenhuma, mas já entra no consultório com o diagnóstico pronto e as últimas descobertas dos laboratórios farmacêuticos, avalizadas por renomados pesquisadores daqui e de fora.
Se o médico não lhe pede novos exames nem lhe receita mais algum remédio, nem que seja para justificar o alto preço pago pela consulta, o doente imaginário fica frustrado.
Claro que há medicações de uso contínuo (para controle de pressão, tireoide, diabetes, por exemplo) que precisamos tomar para prevenir doenças mais graves, aí não tem jeito, mas por que se encher de tantos remédios?
Se você for ler as enormes bulas que acompanham os últimos lançamentos, com seus efeitos colaterais e contraindicações, não vai tomar mais remédio nenhum.
É o jeito que os laboratórios encontraram para se precaver contra possíveis processos caso seus produtos façam mais mal do que bem ao paciente.
Tem razão o sábio taxista:
“Vou ao médico para quê? Para ele me proibir de fazer o que gosto e gastar uma fortuna com remédios? Você acha que vou largar de comer meu torresminho e tomar minha cachacinha?”.
Foi mais ou menos o mesmo que me respondeu o melhor médico que conheci, o cardiologista Adib Jatene, quando lhe perguntei num programa “Roda Viva”, da TV Cultura, se ele não tinha medo de morrer do coração, de tanto que trabalhava como ministro da Saúde, em Brasília, sem deixar de atender seus pacientes no consultório e fazer cirurgias, em São Paulo.
“Meu filho, o trabalho não mata ninguém. O que mata é a raiva, quando você é obrigado a fazer o que não gosta, e a tristeza de não poder fazer o que gosta. Eu gosto do que faço”.
Vida que segue.
________________________
**Ricardo Kotscho é jornalista. Trabalhou nos principais veículos da imprensa brasileira como repórter, editor, chefe de reportagem e diretor de redação. Foi correspondente na Europa nos anos 70 e Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ganhou os prêmios Esso, Herzog, Carlito Maia e Cláudio Abramo, entre outros.