CHATOS

Uma fotografia na parede

A sala em que ocorrem
as reuniões do Conselho Monetário Nacional no Ministério da Fazenda em Brasília
é um monumento à resiliência do país. Em suas paredes estão os retratos de
todos os ocupantes do cargo no período republicano, exceto, é claro, o atual
titular (e o próximo também). O olhar equivale a uma viagem no tempo a nos
lembrar das desastrosas políticas a que o Brasil foi submetido e como, apesar
dos infortúnios, aqui estamos.
Guido Mantega, futuro ex-ministro
em atividade, merece lugar de honra nesta galeria de horrores como principal responsável
pela verdadeira herança maldita, em nada honrando a que recebeu.
Ao assumir Mantega
encontrou um país que crescia algo mais que 3% ao ano, com a inflação na meta
(4,6%) e um superávit de US$ 13 bilhões (1,4% do PIB) nas contas externas. O
superávit primário não era maquiado e equivalia a 3% do PIB, enquanto a dívida
bruta do governo caíra para 56% do PIB. Naquele momento o Brasil gerava 1,3
milhão de empregos formais por ano e pavimentava seu caminho para receber o
grau de investimento.
O país que entrega não
poderia ser mais diferente. O crescimento este ano mal deve superar zero, a
inflação (6,6% nos últimos 12 meses) segue perigosamente próxima ao teto da
meta e o déficit externo supera US$ 84 bilhões (3,7% do PIB) nos 12 meses até
outubro. O superávit primário (maquiado) caiu para 0,6% do PIB (sem maquiagem
trata-se de déficit de 0,2% do PIB) e a dívida governamental atingiu 62% do
PIB. A geração de empregos formais neste contexto caiu para pouco menos de 300
mil postos por ano.
É verdade que o
desemprego caiu, mas a medida mais ampla (a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios
, PNAD) revela que a queda no período é bem menos
impressionante do que a alardeada pelo governo: de 8,4% em 2006 para 6,5% em 2013 e
provavelmente o mesmo em 2014. No conjunto da obra, trata-se de
desempenho para lá de embaraçoso, exceto para o próprio ministro que, fiel à deficiência
de compostura que marcou seu extenso período à frente da pasta, ainda achou
tempo para se autoelogiar.
Faltou-lhe, todavia, entender
as dificuldades enfrentadas pelo país. Sua resposta à desaceleração da economia
não poderia ter sido mais desajeitada, nem as consequências piores.
Ao mesmo tempo em que a
elevação da inflação e a piora das contas externas sugeriam que as raízes do
problema se encontravam – como ainda se encontram – do lado da oferta,
associadas à forte redução do ritmo de crescimento da produtividade, o governo
reagiu a isto estimulando adicionalmente a demanda.
Assim, apesar do
elevado endividamento das famílias, bancos públicos seguiram expandindo o
crédito. Já o BNDES viu sua carteira mais que triplicar (já descontada a
inflação), saltando de 6% para 12% do PIB, privilegiando setores e empresas por
critérios obscuros.
O gasto federal também cresceu
como nunca, atingindo quase 20% do PIB nos 12 meses até outubro contra 16% do
PIB em 2005. O investimento federal, contudo, respondeu por fração modesta do
aumento das despesas, enquanto as deficiências de infraestrutura tornaram-se
mais visíveis.
O acúmulo de fracassos
não foi suficiente, porém, para o ministro perceber o rumo equivocado da sua
“nova matriz macroeconômica”. Pelo contrário, o que se viu foi uma mistura
ímpar de novas rodadas de medidas desorientadas (como o retorno do controle de
preços para lidar com a inflação e a forte intervenção no mercado de câmbio
para conter a alta do dólar), devidamente acompanhadas de redução da
transparência das contas públicas, tentativa infrutífera de esconder os
problemas sob o tapete.
Não foi o resto do
mundo, nem o acaso, que nos trouxeram até aqui. Foi uma sequência de erros de
política poucas vezes vista na história deste país, que motivaram a inédita
demissão antecipada do ministro da Fazenda.

Guido Mantega será
apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!
As
opiniões sobre seu talento estão divididas:
ele
se considera genial; todos os demais o consideram abominável.
(Publicado 17/Dez/2014)

39 thoughts on “Uma fotografia na parede

  1. Alex,

    voce tem acesso a serie historical do Baltic Dry Index?

    olhando para esse indice e selic no mesmo grafico, a impressao que tenho eh que grandes mudancas (p/ baixo ou cima) historicas na selic parecem estar bem correlacionadas com grandes movimentos no Baltic Dry, pelo menos antes da "nova matriz"…

    se trataria de respostas do BC ao capital que entra e sai do pais i.e. juros se ajustando dado a movimentos no cambio flutuante? To entendendo isso corretamente?

    abraco e obrigado pelo blog.

  2. Um desastre, o comportamento da economia nacional, nestes últimos anos.
    A cereja no bolo será a quebradeira das empresas endividadas em dólar.
    A futura equipe de gestão econômica vai ter que rebolar muito e bem, para evitar o 'downgrade' soberano.
    De volta a 1997-1999, quase vinte anos de retrocesso.
    Ângelo.

  3. Pessoas fazem doutorado em economia nas melhores academias do mundo, para ser nomeado ministro da economia e elevar a carga tributaria.Aprendem isto?

  4. Isto nao me comove. O compromisso do BC eh com a meta de inflacao, nao com a taxa de juros. Isto dito, entrei com a taxa de juros a 19,00% e sai com a Selic a 15,75%. Quando assumi a inflacao (IPCA em 12 meses) era 11%; quando sai, 4,6%. Obviamente eu era apenas um dos entao 9 integrantes do Copom, mas tivemos um excelente desempenho. (A proposito: o crescimento medio do PIB foi 4,3% ao ano entre 2004 e 2006). Quer pedir deculpas jah ou fingir que nao eh com vc?

  5. Não entendi o pedido de desculpa.Quando o senhor era diretor do BC,em 2006 a inflação ficou abaixo da meta,fruto da excessiva alta da selic em 2005.

  6. "Não ela estava alta,principalmente porque o mundo ainda está em uma crise internacional."

    Mmmm. OK, quer dizer que a Selic esteve excessivamente alta em 2005 e gerou uma inflação abaixo da meta em 2006; ao mesmo tempo a Selic esteve excessivamente alta nos últimos anos "porque o mundo ainda está em uma crise internacional", mas a inflação está (muito ) acima da meta.

    Quer manter a inconsistência ou prefere voltar atrás com apenas modestos insultos?

  7. Alex, num atrevimento de minha parte, escrevi uma Lei, que chamei de Lei Cidadã, para tentar dar um choque de Capitalismo e Liberdade Individual e Empresarial neste nosso Brasil. Eu posso enviar uma cópia desta lei para você, para seus comentários?

  8. LOL. esse anônimo é muito estúpido. Por sinal, olhar apenas o "retrato" dos indicadores não é aconselhável. Se ele vir todo o fundamento econômico e o andamento da carruagem, estamos muito piores agora!

  9. O Brasil sempre foi campeão de taxa de juros,o BC apostou em uma convergência nao linear para meta justamente por causa de fatores como a crise internacional,a alta das commodities ,a desiindustrializacao.

  10. "Não ela estava alta,principalmente porque o mundo ainda está em uma crise internacional."

    Puta cara chato…….
    Vai se instruir cacete…..
    Vai ler fotonovela pra passar o tempo no lugar de ficar enchendo o saco dos outros.
    Coma peixe.

  11. "O Brasil sempre foi campeão de taxa de juros,o BC apostou em uma convergência nao linear para meta justamente por causa de fatores como a crise internacional,a alta das commodities ,a desiindustrializacao."

    E a calça boca de sino foi moda em 1970…

  12. pra variar a figurinha do final é mais que genial, dizem que uma boa medida da inteligência é pela sua capacidade de fazer rir, nisto o Guido é impagável, invedível e imprestável.

  13. pelas minhas contas pib per capita e renda vem caindo em valores reais desde 2010, e em valores nominais desde agora 2014.

    a horda de financiamentos facilitados de carros e bolhudinhos à crasse C como forma de controle eleitoral exigirá uma década de ajustes. Anos 80 replay.

  14. Não sei até que ponto o Ministro Levy vai aguentar a esquerda. Noto que o governo o esta usando para aumentar credibilidade interna e externa. Será muito difícil um economista de Chicago conviver com gritos e sindicalistas de todos os lados.
    Charles.

  15. O Meirelles também era frouxo e despreparado para a função…mas aí o destino colocou ele entre o Alex e a diretoria do BC, tudo mudou! Palavras, palavras…

  16. "Isso mesmo: a Diretoria Colegiada não era frouxa."

    Alex, vamos deixar isso pra lá, pq daqui a pouco vc vai se queimar com todo mundo…

    Abs.

  17. Alex, não "deixe isso pra lá", tão bom quanto os posts são os comentários.

    Estava com saudades das longas discussões aqui nessa seção. Quase me candidatei a escrever várias besteiras pra incentivar (acho que o objetivo de alguns é esse também)

  18. Pô, pega leve com as declarações ainda no início de 2012, de que o BC poderia estar certo. Escondido num pseudônimo, também achei, errei feio mas fazia algum sentido cortar os juros. O BC até sugeriu numa ata qualquer que poderia parar a Selic em 9%, estava razoávelmente fundamentado. Me parecia que o ambiente externo, o princípio de desaquecimento doméstico junto com a inadimplência ascendente pintavam um quadro que justificasse Selic a 9%.
    O resto é fato: tapa no careca e puxão de orelha, Selic a 7,25%, desvalorização cambial forçada, choque agrícola, expansão fiscal e crédito público, controle de tarifas, desemprego na mínima. Você estava certo ao prever a mudança para pior, mas Selic parada em 9% e voltando a subir em já out-12 faria sentido até para você. Se você não fosse tão ranzinza.
    Abs

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