Voto em lista, um atentado à democracia. Por Ives Gandra da Silva Martins
Voto em lista, um atentado à democracia
… Não merece acolhida, o povo tem de se manifestar em oposição a ele, repudiá-lo…
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, EDIÇÃO DE 10 DE ABRIL DE 2017
Quando se afirma que o Brasil não pode adotar o parlamentarismo porque não tem partidos políticos, mas meras agremiações de interesses variados e pessoais, sem ideologias definidas, respondo que o Brasil não tem partidos políticos porque não adotou o parlamentarismo, em que poucos e sólidos partidos com nítidas conotações ideológicas conformam suas estruturas.
Muitos dos sistemas parlamentares adotam o voto em lista e distrital misto, pois seus políticos fazem primeiro carreira no partido e, em função de seu trabalho, afinidade ideológica e fidelidade à linha partidária, têm seu nome submetido nas listas apresentadas, quando não são líderes distritais reconhecidos.
… O presidencialismo brasileiro é um festival de interesses pessoais e de partidos, sem linhas ideológicas praticadas, pois sempre que há coligações tais linhas são pisoteadas em todos os Estados…
O voto em lista é próprio dos sistemas parlamentares de governo, em que são poucos e com claríssima linha de atuação política os partidos e a fidelidade partidária é mera decorrência natural do sistema.
O presidencialismo brasileiro é um festival de interesses pessoais e de partidos, sem linhas ideológicas praticadas, pois sempre que há coligações tais linhas são pisoteadas em todos os Estados brasileiros, não poucas vezes ocorrendo a união numa coligação de esquerda e direita, em função, não da ideologia partidária, mas dos interesses imediatos naquele Estado ou município.
Por isso proliferam os partidos – são 35 e 58 em formação –, todos eles recebendo Fundo Partidário e negociando “segundos eleitorais” nas televisões e rádios, numa verdadeira banca de negócios que macula a nossa democracia.
Em reunião da Comissão de Reforma Política da OAB-SP, o ministro Nelson Jobim, um de seus membros, lembrou que há empresas especializadas em obter assinaturas de eleitores para criar partidos, alimentando os inúmeros pedidos de registro de novas agremiações no Tribunal Superior Eleitoral.
Ora, o voto em lista, num sistema presidencial de governo, como no Brasil, seria perpetuar os “donos” dos partidos, muitos deles sem jamais terem passado pelo teste eleitoral, mas que, por terem conseguido o registro de sua agremiação, terminariam encabeçando a respectiva lista.
Por outro lado, a renovação – e o Brasil, após a Operação Lava Jato, terá necessidade de renovar seus quadros políticos – das Casas Legislativas seria praticamente impossível, mesmo com o regime da votação distrital mista, pois todos os que não conseguissem eleger-se ou reeleger-se estariam assegurados no topo da lista. O argumento de que isso reduziria os custos de uma eleição me parece frágil, mormente num país onde as redes sociais e toda espécie de comunicação eletrônica ganharam proporções pouco conhecidas em outros países.
… o que se discute não são as virtudes ou os defeitos do foro privilegiado, mas sim que o projeto objetivaria garantir, tanto para parcela considerável do Congresso como para outros políticos, o foro privilegiado…