Língua pândega. Por Josué Machado
LÍNGUA PÂNDEGA
Por Josué Machado
Muita gente se engana com a pronúncia de certas palavras, o que em geral soa apenas engraçado.
O advogado de um prestigiado escritório paulista disse e repetiu:
“Vou ‘reinterar’ o pedido à juíza.”
Sim, vou “REINTERAR”, disse ele três vezes no curso da conversa de alguns minutos.
Só que o verbo “reinterar” não existe.
Ele cruzou “REITERAR” (repetir, pedir de novo) com a deformação “INTERAR” de “INTEIRAR” (informar ou informar-se; tornar inteiro, completar). O inexistente “interar”, portanto, está na base da criação do homem da lei: “reinterar”.
Uma distração, claro. Semelhante a outras muito comuns como “opróbio” por opróbrio e “própio”, “apropiado” por próprio, apropriado, como dizem o ex-presidente Fernandenrique e muitas outras pessoas, aplicando uma espécie de lei do menor esforço.
Não que ele e outros não saibam como se escrevem tais palavras, mas é que a pronúncia deformada com um “erre” soa mais natural, mais fácil.
A propósito, Luizinácio disse uma vez no calor de uma de suas declarações acaloradas (e qual não é?) ter havido uma “perca” de qualquer coisa na economia.
Muita gente se apressou a condená-lo porque ele por certo quis dizer “perda”, ato ou efeito de perder. Só que existe também o substantivo “perca”, uma espécie de peixe, mas também sinônimo informal de “perda” — um regionalismo brasileiro, como informa o Houaiss.
Portanto, Luizinácio acertou, supostamente errando.
Verdade que ele se considera modestamente do povo e pronuncia o popular “pa” em vez de “para”, gosta de devorar plurais e atropelar concordâncias em seus discursos exaltados (e qual deles não o é?, perguntaria Temer) em que desenvolveu o popularismo popular populista. Mas essa é outra história.
Ficando nas distrações vocabulares mais frequentes, principalmente pronúncias irregulares (cacoépias), outras muitas palavras podem integrar o rol de distrações formais: “bicabornato” por bicarbonato; “comprimentar” por cumprimentar; “meretíssimo” por meritíssimo; “impecilho” por empecilho; “locubração” por lucubração; “malcriação” por má-criação; “propietário” por proprietário; “embigo” ou “imbigo” por umbigo; “revidicar” por reinvindicar; “pudico” por pudico; “rubrica” por rubrica. E o agora célebre “desinteria”, de Janot, por disenteria. E muitas outras.
É óbvio que tais distrações, às vezes silabadas, são mais comuns entre pessoas de baixa escolaridade.
Por isso surpreende um tanto quando perpetradas por pessoas com diploma superior, principalmente advogados e outros operadores da justiça, que trabalham com as leis e a língua (no bom sentido, claro).
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade