Memórias de Brasil x Paraguai (Ou o dia que João Saldanha mandou baixar o cacete). Coluna Mário Marinho
Memórias de Brasil x Paraguai
(Ou o dia que João Saldanha mandou baixar o cacete)
COLUNA MÁRIO MARINHO
Faltavam ainda uns 30 minutos para começar o jogo quando o técnico João Saldanha chamou os 22 jogadores e lhes disse:
– Vocês vão entrar em campo agora, vão dar uma passeada pelo gramado e vão ouvir a maior vaia que já tomaram em suas vidas. Andem com calma e se acostumem com o som que vão ouvir durante o jogo todo.
Foi assim que os jogadores entraram no gramado do estado Defensores Del Chaco, em Assunção, naquele domingo 19 de agosto de 1969.
Conforme o previsto, ouviram a maior vaia de suas vidas.
Voltaram ao vestiário, terminaram o aquecimento e, quando faltavam dez minutos para as 16 horas, time escalado, o técnico João Saldanha reuniu todos e fez sua preleção que não durou nem 10 minutos.
– Durante a semana toda Vocês ouviram e leram as maiores besteiras dos paraguaios e de sua imprensa.
Disseram asneiras a respeito do Brasil e dos brasileiros. Agora é hora de entrar em campo e mostrar a eles quem são os brasileiros.
E quando os jogadores já se preparavam para entrar em campo, Saldanha levantou a voz como se lembrasse de um pequeno aviso.
– Ah!, não se esqueçam: juiz não expulsa ninguém antes dos 10 minutos de jogo.
Por isso, se para muitos foi surpreendente a violenta entrada que o lateral Rido deu no ponteiro paraguaio, quando o jogo mal tinha começado, quem ouviu Saldanha sabia que o recado foi entendido.
Eu cheguei a Assunção dez dias antes do jogo para fazer matérias de ambiente, de clima, bem ao gosto do Jornal da Tarde.
E não encontrei amabilidade.
Os paraguaios começavam a comemoração do centenário da Guerra do Paraguai (1864-1870). Os jornais traziam, todos os dias, matérias relembrando combates entre as forças da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra as forças comandadas pelo general Solano Lopes.
As matérias eram focadas nos massacres a que fora submetidos os paraguaios pelas forças Tríplices, com ênfase na atuação dos brasileiros que tinham maior número de soldados e, segundo a versão paraguaia, eram sanguinários comandados pelos sanguinários Duque de Caxias e conde D’Eu.
As casas comerciais eram enfeitadas com as bandeiras paraguaias além ditos alusivos à guerra. O hino nacional paraguaio era tocado em programas esportivos com noticiário do jogo do domingo seguinte.
As 10 seleções que participaram daquelas eliminatórias sul-americanas para a Copa de 1970, no México, foram divididas em três grupos: Grupo A – Peru, Bolívia e Argentina; Grupo B – Brasil, Paraguai, Colômbia e Venezuela; Grupo C – Uruguai, Chile e Equador.
Classificaram-se os primeiros colocados de cada Grupo: Peru, Brasil e Uruguai.
A delegação brasileira chegou a Assunção no fim da tarde de segunda-feira, vindo de Caracas, onde havia goleado a Venezuela, 5 a 0.
Naquele mesmo domingo, o Paraguai havia vencido a Colômbia, 1 a 0, em Bogotá.
Assim, os dois lideravam a classificação com duas vitórias cada um.
Juntou-se a possibilidade de classificação para a Copa com o centenário da Guerra do Paraguai e o resultado é que uma saudável rivalidade transformou-se em ódio visceral.
À noite, fogos de artifícios, carreatas, motos com escapamentos abertos rodearam a bonita mansão no bairro nobre de Ita Enramada, concentração brasileira, em barulhento inferno que não deixou os jogadores dormirem.
No dia seguinte, a polícia isolou o quarteirão.
O dono da mansão alugada à CBF fez uma visita de cortesia à Seleção levando dois belos cachorros de sua propriedade. Foi o bastante para que no dia seguinte os jornais de Assunção publicassem fotos dos animais perto de jogadores brasileiros, com o título “Brasileiros trouxeram até cachorro”.
João Saldanha, estourado como sempre foi, discutia a todo momento com jornalistas paraguaios.
No dia da manchete dos cachorros, eu e mais dois ou três jornalistas estávamos conversando com Saldanha, na concentração, quando chegou um repórter paraguaio e começou a provocar o técnico brasileiro. Saldanha foi ficando cada vez mais nervoso e o repórter cada vez mais provocativo.
De repente, vejo a alguns metros de distância o fotógrafo que acompanhava o tal repórter, com sua máquina apontada para Saldanha. A armação era óbvia: o repórter estava fazendo o possível para ser agredido.
Dei o alarme e mostrei ao Saldanha o fotógrafo ponto para disparar sua máquina. Saldanha gritou:
– Moleque, filho da puta!
Foi nesse exato momento que o médico da seleção, Lídio Toledo, percebeu o que estava acontecendo e arrastou Saldanha para dentro de casa.
Foi este o clima que antecedeu o jogo de domingo.
Na bonita tarde de domingo, o estádio Defensores Del Chaco estava lotado com cerca de 42 mil torcedores, dos quais uma centena era de brasileiros.
Assim, com menos de dez minutos de jogo, o lateral Rildo deu entrada criminosa no ponta direita paraguaio e não foi expulso, conforme previra Saldanha, mas colocou ordem na casa.
Futebol por futebol, o Brasil não teve problemas: 3 a 0, gols de Mendoza (contra), Jairzinho e Edu.
No dia 31 de agosto, o Brasil voltou a vencer o Paraguai, desta vez no Rio de Janeiro, 1 a 0, gol de Pelé, registrando o maior público que a Seleção Brasileira já teve em seus jogos: 183.341 pagantes. Estava carimbado o passaporte para o México.
Naquela campanha, o Brasil jogou 6 vezes e venceu as 6; marcou 23 gols e sofreu apenas 2. O artilheiro foi Tostão, com 10 gols.
Veja as imagens do Canal 100:
Eis o time do Brasil, que está na foto ao alto da coluna (foto do jogo do Maracanã mas foi o mesmo de Assunção): Em pé, Carlos Alberto (Santos), Félix (Fluminense), Djalma Dias (Atlético Mineiro), Joel (Santos), Piazza (Cruzeiro), Rildo (Santos).
Agachados: Mário Américo (massagista), Jairzinho (Botafogo), Gérson (Botafogo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos), Edu (Santos), Nocaute Jack (Massagista).
Amanhã, terça-feira, haverá Brasil e Paraguai em Itaquera, casa do Corinthians. Espero que com muita paz, muita calma, muito futebol – e vitória do Brasil, claro.
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Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
Bom dia, Marinho!
Bela coluna com o passado bem colocado
e o maravilhoso Canal 100.
Vamos assistir nosso Brasil hoje. Bom jogo!
Um abraço!
Cesar.
Bom dia, Marinho!
Bela coluna com o passado bem colocado
e o maravilhoso Canal 100.
Vamos assistir nosso Brasil hoje. Bom jogo!
Um abraço!
Cesar Camarinha.
Mario, excelente lembrança de momentos histórucos de nossa seleção. Permito-me apenas algumas correções ou precisões:
a) o público do jogo contra o Paraguai no Maracanazo foi o maior já oficialmente registrado em jogos realizados naquele estádio, não só em jogos da seleção brasileira, mas de qualquer time. É possível que o público da final da Copa de 1950 (Brasil X Uruguai, o famoso Maracanazo) tenha sido maior, mas não há registro oficial de público naquele jogo;
b) Gerson, o Canhotinha de Ouro, já era jogador do São Paulo quando o Brasil derrotou o Paraguai em Assunção por 3 X 0, nas eliminatórias da Copa de 1970. Ele se transferiu para o Morumbi em julho de 1969. Gerson ficou no São Paulo até o início de 1972, quando foi vendido para o Fluminense;
c) tenho a impressão de que Djalma Dias era jogador do Santos em 1969. A defesa do seleção brasileira nas eliminatórias era totalmente santista: Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo. O Santos ainda tinha Pelé e Edu como titulares e Clodoaldo e Cláudio (goleiro) como reservas. 8 convocados entre as 22 feras do Saldanha.
Duas correções de ortografia: históricos, não histórucos; Maracanã, e não Maracanazo. A segunda referência ao termo Maracanazo está correta.