Discurso formatura FEA (11/março/2015)

Boa noite a todos,
formandos, pais, e professores.
Quero, em primeiro
lugar, agradecer o convite honroso para, mais uma vez, voltar à minha antiga
casa. É sempre um prazer reencontrar pessoas e instituições que foram
fundamentais para moldar nossa vida e dar um norte aos nossos caminhos e eu,
ex-aluno, de graduação e mestrado, não posso esquecer o quanto a FEA foi
importante para mim, seja do ponto de vista profissional, seja do ponto de
vista pessoal.
Houve tempo que meu
objetivo de vida era permanecer nesta casa, mas trilhei caminhos que me levaram
a outros destinos, sem jamais, porém, perder o carinho ao lar.
Não é sobre isto,
contudo, que pretendo falar esta noite.
Vivemos, como se sabe,
tempos difíceis e, se cabe ainda à minha geração tentar solucionar os problemas
que hoje enfrentamos, à nova geração – aqui representada pelas formandas e
formandos – caberá um papel crescente para encaminhar o país a um futuro
melhor.
Não é uma tarefa fácil.
Se fosse, certamente estaríamos em situação mais confortável. Fomos capazes de
resolver alguns dos problemas que atormentaram o Brasil durante décadas, mas
certamente não (ainda – e aqui destaco ainda)
de recolocar o país na rota do crescimento equilibrado e vigoroso. Às vezes foi
vigoroso, outras (menos) foi equilibrado, mas raramente conseguimos esta
combinação preciosa.
O que me dói é que
estivemos, talvez, perto de consegui-lo. Há não muito tempo, menos de 10 anos,
chegamos a ter uma economia que crescia, se não a taxas exuberantes, pelo menos
em ritmo mais que confortável, absorvendo não só o crescimento da população,
mas também gerando oportunidades para aqueles que permaneciam à margem do
mercado de trabalho. O desemprego, portanto, caiu de forma segura,
desempenhando papel central inclusive na melhora da distribuição de renda,
ainda maior que as transferências de renda operadas pelo governo.
Ao mesmo tempo havia
indicações de estabilidade. A inflação, flagelo de outras eras, fora posta sob
controle; as contas externas, origens de tantas crises, não representavam
ameaça; as contas públicas, por fim, se não se mostravam inteiramente
equilibradas e ainda dependiam muito de uma carga tributária
extraordinariamente elevada, eram consistentes com uma trajetória de redução
persistente do endividamento do setor público.
Isto certamente não
implica concluir que todos nossos problemas já tivessem sido endereçados. Pelo
contrário, como digo há tempos, o Brasil é um país condenado à reforma e havia
– como ainda há – questões a serem tratadas, que iam da complexidade do sistema
tributário nacional ao crescimento ainda insuficiente da produtividade, da
baixa exposição da economia à competição ao desempenho medíocre dos nossos
alunos nos testes internacionais.
Não, problemas não
faltavam e, desconfio, nunca faltarão, mas, ao menos, havíamos atingido um
estágio em que finalmente, superados os principais desafios à estabilidade,
poderíamos nos dedicar a tratar de forma mais profunda questões de natureza
mais “estrutural”, que, se bem encaminhadas, nos permitiriam crescer mais rapidamente
de forma sustentada, com maior justiça.
Esta oportunidade,
porém, foi desperdiçada.
Como sempre ocorre, não
foi uma única medida que tirou a economia brasileira dos trilhos, mas um
conjunto delas, ao longo de vários anos, erodindo lenta, porém, continuamente
as conquistas anteriores.
Ainda assim, se tivesse
que escolher um momento divisor de águas, seria uma reunião ocorrida há pouco
menos de 10 anos. Nela discutiu-se a possibilidade de aprofundar os rumos do
ajuste fiscal brasileiro por meio de um programa de longo prazo que, de forma
muito resumida, propunha manter o crescimento das despesas correntes abaixo do
ritmo de expansão do PIB, com o objetivo de reduzir o gasto corrente como
proporção do produto e assim abrir espaço para aumento do investimento público,
principalmente em infraestrutura, ou reduzir a carga tributária, ou reduzir
mais rapidamente a dívida pública (ou ainda uma combinação destas três
alternativas).
Esta proposta foi morta
no nascedouro pela então ministra-chefe da Casa Civil que a classificou de
“rudimentar”, não sem antes acrescentar que “despesa corrente é vida”. Como
notei certa vez, se tivéssemos seguido esta “proposta rudimentar”, o gasto
federal teria caído para cerca de 14% do PIB no ano passado; ao invés disto
atingiu 20% do PIB, uma diferença de 6% do PIB, ou seja, algo como R$ 300
bilhões de reais por ano!
Não parece ser outro o
motivo de termos o governo mais “gastão” da história recente do Brasil.
Grave, porém, como foi
tal despropósito, tratou-se apenas do primeiro passo no sentido de desmontar um
regime de política econômica que havia se provado particularmente bem-sucedido
nos termos que expressei acima: crescimento sólido, inflação controlada, contas
públicas e externas em ordem.
Aos poucos cada um
destes elementos foi descartado e, pior, ao invés de nos aprofundarmos no
sentido de tornar o país mais competitivo (e, portanto, mais produtivo),
voltamos muitos passos atrás.
Assim, ainda que a
economia brasileira permaneça mais aberta do que foi num passado remoto, houve
medidas que a tornaram mais protegida da concorrência externa, de leis de
conteúdo nacional (como no caso da indústria de petróleo, reproduzindo
tentativas fracassadas, como a Lei de Informática dos anos 80) a velhas
práticas de proteção tarifária.
Foram escolhidos –
sabe-se lá por qual critério – “campeões nacionais”, que receberam enormes
somas de dinheiro público que, de fato, não é dinheiro público, mas de todos
nós, contribuintes, sem a transparência que se espera no trato deste tipo de
recursos. O financiamento do Tesouro Nacional ao BNDES, o agente na escolha dos
“campeões”, atingiu cerca de R$ 490 bilhões, equivalente a nada menos do que 9,5%
do PIB.
Houve controle de
preços, impedindo que os mecanismos de mercado funcionassem a contento, levando
por conseqüência a graves distorções em setores-chave da economia, como o
energético e o sucroalcooleiro.
Este retrocesso
marcante nas relações entre o setor público e o privado implicou forte desaceleração
do ritmo de produtividade, que caiu de algo próximo a 2% ao ano na segunda
metade da década passada para menos de 1% ao ano no período mais recente.
As dificuldades que
hoje enfrentamos – crescimento baixo, inflação elevada, déficits externos consideráveis,
dívida pública crescente – são resultados diretos da inflexão de política
econômica que – em retrospecto – parece ter começado já em 2005, ainda que
tenha sido acelerada, sob o nome de Nova Matriz Macroeconômica, apenas
no período mais recente, a partir de 2011.
É bom notar que não
houve uma motivação estritamente econômica para a esta inflexão. Ainda que não
extraordinário, o desempenho do país foi, como vimos, mais do que razoável em
termos de crescimento, estabilidade e inclusão social.
A motivação parece ter
sido política e ideológica. Havia – como ainda há – a crença que políticas
econômicas que privilegiam o crescimento com estabilidade em detrimento da
expansão a qualquer custo; que apontam para as limitações orçamentárias; que
destacam o papel da poupança e dos mercados no crescimento econômico entre
outras características, seriam fruto de um “pensamento conservador”, que daria
preferência a “rentistas” sobre os “produtores”.
Seria possível, na
visão destes economistas, romper os limites do possível. A demanda criaria sua
própria oferta. O aumento de gastos – ao elevar o produto – geraria os recursos
necessários ao seu financiamento. A intervenção do governo – sábio e
benevolente – permitiria a superação de “falhas de mercado”, levando o país a
novos patamares de desenvolvimento.
Pouco importa que tudo
isto já tivesse sido tentado. Para economistas que se dizem fundamentalmente
preocupados com a história, é notável a ignorância acerca dos resultados de
políticas semelhantes aplicadas no passado: choro e ranger de dentes.
* * *
Economia é uma ciência
humana. Como tal, não é melhor ou pior do que a Física, ou a Biologia; é apenas
obrigada, por força de seu objeto, a empregar métodos distintos.
A Física pode se basear
em explicações causais: uma força aplicada sobre um corpo o faz mover;
ou os meios diferentes em que a luz passa alteram sua velocidade.
A Biologia pode se
amparar em explicações funcionais: determinadas características de certa
espécie se perpetuam porque aumentam as chances de cada indivíduo com estas
características passar adiante os genes que as carregam.
Já a Economia, como
ciência humana, não pode se amparar neste tipo de explicações. A ela cabe,
assim como nas demais ciências sociais, se amparar na busca dos motivos que
guiam a ação humana. A explicação adequada para este caso é a explicação
intencional
.
Neste sentido os
economistas criaram uma ficção extraordinariamente poderosa. O “homem
econômico”, um ser amoral, que busca, sem paixões, o máximo de satisfação,
limitado apenas pela disponibilidade de recursos e pela tecnologia existente.
Por mais que saibamos
que seres humanos de carne e osso não se comportem exatamente da forma
presumida para o “homem econômico” (podem, por exemplo, ser altruístas e morais,
assim como provavelmente não são capazes de atingir os incríveis limites de
racionalidade da nossa ficção), a verdade é que modelos que supõem que as
pessoas se preocupam mais com seu próprio interesse e que são capazes de
realizar feitos extraordinários de raciocínio para atingir seus objetivos têm
se mostrado melhores no sentido de prever a ação econômica do que presunções
acerca da bondade inata do ser humano.
Há custos, porém. Para
lidar com esta ficção vocês foram expostos a técnicas razoavelmente
sofisticadas, tanto no campo matemático quanto estatístico. Cálculo
diferencial, álgebra linear, métodos de máxima verossimilhança, propriedades
assintóticas de estimadores, otimização sujeita a restrições, etc. representam
uma amostra modesta do tipo de tortura a que vocês foram submetidos, com maior
ou menor grau de sucesso (e, posso dizer, vocês aprenderam muito mais do que eu
aprendi na minha graduação).
Não é todo mundo que
está disposto ou preparado para lidar com isto. Muito mais fácil é recitar meia
dúzia de citações de economistas ilustres, mortos há mais de 60 anos, e tomar
isto como verdades reveladas. O que Keynes disse, o que Marx disse viram
critérios de verdade, mais do que a evidência empírica. Se o mundo não se
comporta como estes sábios previram, tanto pior para o mundo.
Não é o caso de vocês.
Por mais que não haja
respostas definitivas, a ciência que vocês aprenderam nestes últimos anos é um
instrumento poderoso na busca de verdades, ainda que sejam “verdades
provisórias”, válidas até nova evidência e novos desenvolvimentos teóricos se
mostrem mais adequados para lidar com a realidade.
Posto de outra forma,
Economia não é uma ciência que lhes dará certezas. Mas lhes oferece uma ferramenta
adequada para explorar o mundo, formular hipóteses, testá-las contra a
realidade e, com base nisto, formular políticas que possam endereçar nossos
problemas.
Não é um caminho fácil.
As respostas não estão num livro empoeirado na biblioteca da FEA. As respostas
virão como resultado da aplicação dos métodos que vocês aprenderam nestes anos.
Posto de outra forma, Economia, mais que uma coleção de verdades, é um método
para resolver problemas.
* * *
Concluo.
A inflexão da política
econômica observada nos últimos anos resulta da visão da Economia como a tal
coleção de verdades proferidas pelos velhos mestres. Não foi a evidência
empírica nem a abordagem científica que estavam por detrás da mudança de
paradigma, mas crenças de caráter quase religioso. O resultado não poderia ser
diferente: quem ignora a realidade sofre sério risco de ser por ela atropelado.
Não é, certamente, o
que ocorrerá com vocês. Vocês começam agora suas carreiras, dotadas de todas as
condições para alcançarem mais longe que minha geração alcançou. Em mais alguns
anos será a vez de vocês tomarem o leme do país, seja em postos-chave no
governo, seja no comando das principais empresas do setor privado.
Se cabe um conselho é:
não esqueçam o que aprenderam. E aqui não me refiro a nenhum dogma em
particular; mais que as conclusões, o que interessa é o método que vocês
utilizam para alcançá-las. É um instrumental, repito, poderoso; não infalível,
claro, mas, de certa forma passível de autocorreção.

Respeitem o método;
submetam-se à evidência empírica; e permaneçam céticos acerca de toda e
qualquer conclusão. Assim irão muito além do que um dia pudemos sonhar.
Obrigado, parabéns, sucesso e boa sorte!

19 thoughts on “Discurso formatura FEA (11/março/2015)

  1. Gosto muito do seu blog e concordo com 99% de suas visões, afinal estamos do mesmo lado no mercado financeiro

    Mas acho lamentável este discurso num evento festivo, em que esta englobado estudantes e professores com diversas visões. Seu discurso constrange colegas e professores em um espaço inesperado, em que outras coisas poderiam ter sido ditas. Tem alunos e professores keynesianos/marxistas na FEA, poxa…

    Só pois deixar claro, concordo com o conteúdo do discurso…mas o momento foi bem inoportuno.

  2. Decepção, Alex, achava que você não fosse uma pessoa tão inexpressiva a ponto de ter que escrever os próprios discursos. Abs e siga em frente!

  3. Alex,

    quando voce toma uma latada, depois de proferir palavras tão doces, você toma Neosaldina ou Saridon?

    P.s.: o disco voador mandou lembranças

  4. ontem assisti a entrevista do Eduardo Cunha. Senti minhas forças sendo sugadas pela televisão. Vampiro total!
    Como tratar a questão:

    a) Peptamen
    b) injeção de B12 na veia
    c) alternativas a e b estão corretas
    d) todas as respostas erradas

  5. Na mosca! Discordo do leitor que disse não ser a ocasião adequada.
    Quem te convidou certamente sabia das suas posições e esperava por críticas ao atual modelo.
    Mais do que prezar por uma noite agradável aos keynesianos de quermesse temos que prezar pelo nosso futuro (ainda temos chance?).
    Toda ocasião é bem vinda. Parabéns!

  6. Se não quisessem ouvir as verdades que chamassem o Mantega! Se tinha quermesseiro tinha mais é que falar, mesmo… Oportunidade de aprendizado e bom pra por os pés no chão.

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