A ata como ela é

Cerca de uma semana após
o Comitê de Política Monetária (Copom) definir a taxa básica de juros é
divulgada a Ata da sua reunião. Trata-se de documento escrito em idioma
remotamente aparentado do português, em que os membros do Copom apresentam os argumentos
que justificam sua opção.
Vejam, por exemplo, o
seguinte trecho: “O Comitê considera ainda que, desde sua última reunião, entre
outros fatores, a intensificação [dos] ajustes de preços relativos na economia
tornou o balanço de riscos para a inflação menos favorável para este ano”.
Na língua de Camões
diríamos que o dólar mais caro e o aumento dos preços administrados, que haviam
sido represados até o ano passado, somaram-se aos desequilíbrios que já
existiam e devem fazer com que a inflação em 2015 fique ainda mais alta do que
o BC imaginava anteriormente.
Se neste trecho, porém,
é possível depreender o que se passa na cabeça dos diretores do BC, em outros a
linguagem obscura serve apenas para mascarar a falta do que dizer, ou, ainda
pior, a relutância em admitir com todas as letras a magnitude da enrascada em que
o Copom se meteu.
Não por outro motivo
recebi sugestão mais que interessante de Isaías Coelho: como seria a ata de uma
autoridade monetária transparente e cidadã?
É um exercício difícil,
até porque – é bom confessar – já estive do lado de lá (faz tempo!) e sei das
dificuldades de ser muito claro acerca de coisas de que não se tem assim tanta
certeza. Isto dito, meu público hoje é outro e bem que vale a tentativa.
Assim sendo, a ata
transparente e cidadã soaria da seguinte forma.
“A inflação está bem
mais alta do que projetávamos no final do ano passado. Esperávamos que ficasse
acima do teto permitido pelo regime de metas, 6,5%, mas, para não pegar muito
mal, cozinhamos a projeção para ficar em 6,1%.
Agora não há mais como
sustentar este número. Com o que já ocorreu, mais o que virá em março, a
inflação do primeiro trimestre deve ficar na casa de 3,8% (prevíamos 2,2%). Só
isto já basta para mandar nossas previsões de inflação em 2015 acima de 7,5% e,
vamos ser sinceros, algo entre 8% e 8,5% parece bastante provável.
Fora isto, perdemos o
controle das expectativas. Ninguém mais acredita que será possível entregar a
inflação na meta em 2016, apesar das nossas promessas e, para falar a verdade,
talvez por conta delas, pois temos prometido inflação na meta ‘no ano que vem’ pelo
menos desde 2011, sem conseguir cumprir, é claro.
Comemoramos que as
expectativas para 2016 tenham caído um pouco, mas ainda estão em 5,6%, bem
acima dos 4,5%, de modo que teremos que subir ainda mais a Selic, não só nesta reunião,
mas também na próxima.
Nossa vontade, porém, é
parar de subir juros. O país já cresce pouco e mesmo o desemprego, que ainda
está baixo, dá sinais que vai voltar a se elevar este ano. Apesar disto, os
salários ainda crescem muito acima da produtividade e, sem dar conta deste
problema, não iremos nunca fazer com que a inflação convirja para a meta. Isto
é, teremos que conviver com desemprego mais alto para reduzir a inflação, mas
há restrições políticas a isto.
Torcemos para que o
Joaquim consiga, ao menos em parte, o que o Guido prometeu e jamais entregou:
uma melhora das contas públicas que tire um pouco do peso da tarefa de
controlar a inflação das nossas costas. Como a torcida é grande, queremos parar
de subir a Selic mesmo antes de saber se o Joaquim cumprirá a promessa.
O dólar pode atrapalhar
também, mas vamos fingir que não.
Assim, se tudo ocorrer
da melhor maneira possível, a inflação cai em 2016. Não deve chegar nem perto
de 4,5%, mas, se for menor que 6,5%, está bom demais. Assim, pretendemos parar
em abril. Se não der em abril, então em junho.

No final do ano, vamos
ver como as coisas andam. Caso fique mesmo com cara de inflação abaixo de 6,5%
em 2016, voltaremos a cortar juros; se não, o bicho pega. Igual a todos os
outros anos”.
(Publicado 18/Mar/2015)

12 thoughts on “A ata como ela é

  1. não seria uma ata
    seria uma carta de sincericídio

    pergunta pra graça foster e pro cid gomes o que se ganha falando a verdade neçe governo

  2. Nem o ministro anterior, da Fazenda, conseguiu traduzir, em alguma língua não terráquea, "convergência não-linear".
    Mas, chutando um pouco, deve ser algo como "uma discussão com o caixa do boteco, depois de tomar todas, o cartão de crédito não passar e estar sem dinheiro para pagar a conta".
    É até coerente, quem sabe?

  3. Alex, enquanto houver BC não vai faltar matéria para suas colunas, nem vc vai passar fome.

    O Paulo Rabello de Castro acredita que uma hora, mais cedo ou mais tarde, o BC vai abandonar o regime de metas, nem tanto pelos efeitos recessivos da inflação alta, mas simplesmente porque ele acredita que será impossível, em termos financeiros, o Estado conseguir manter os juros nesse nivel. Vc pensa semelhante e tem ideia de até onde poderia ir a inflação caso a gente abandonasse o sistema de metas de inflação? Algo tipo Argentina? Venezuela? Abraços e como sempre seus 18 leitores de olho nas suas colunas

  4. Sinceramente, o que o COPOM poderia fazer? O Tombini é outro fantoche da Dilma, não tem autonomia. A situação é péssima, ninguém acredita neste governo, nem o Ruy Falcão! Como fazer o país voltar a crescer? Já acabou este governo da Dilma…

  5. Pergunto: não deveria o BACEN ter dado, em novembro, uma grande pancada nos juros, digamos elevar para 14%, por exemplo, em vez de fciar subindo de meio em meio?

    Pergunto isso porque o meu raciocínio como empresário, diante de elevações mensais de juros, seria pegar agora o máximo de crédito necessário para cumprir o meu planejamento, justamente porque eu estou ciente de que o juros do mês seguinte será maior.

    Não será por estas altas pingadas que as expectativas não se revertem? O ajuste do período Lula foi feito com base em duas porradas na SELIC, não com base em gradualismo.

  6. O Lula só precisava provar que não faria nada do que prometia antes de assumir. A Dilma tem de provar que entendeu que só fez merda. É mais difícil…
    E o presidente do BC do Lula era Henrique Meirelles, que veio do PSDB.
    E o Ministro da Fazenda era médico, Pallocci, muito mais lógico que qualquer Keynesiano.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter