Velhice tranquila ou pesadelo à vista. Por Aylê-Salassié F. Quintão*

Velhice tranquila ou pesadelo à vista

Aylê-Salassié F. Quintão*

…Concluiu-se, de acordo como IBGE, que um inativo tem sua aposentadoria assegurada hoje pelas contribuições de nove trabalhadores na ativa, em 2050 terá apenas dois. A Previdência tenderia a quebrar, como na Grécia…

           Os brasileiros não são diferentes. Gregos, espanhóis, portugueses e franceses foram para a rua, e reagiram firmemente contra a proposta de reforma da Previdência. Por insistir em manter os privilégios, tratados como direitos conquistados, a Grécia quebrou, Portugal e Espanha estiveram à beira da falência e a França conseguiu acordos aparentemente suportáveis. Fala-se de uma reforma adiada há anos em vários países, cujas preliminares deu origem, no Brasil, ao Mensalão – compra de votos no Congresso.

Agravada pelas reivindicações populistas, oportunistas e a resistência das elites “retiradas”, a Previdência Social no Brasil está a cada dia mais ameaçada pelo crescimento das contas a pagar. Para  os mensageiros do caos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC- 287), em tramitação no Congresso Nacional, pode levar o brasileiro a sair  de uma velhice tranquila e cair num pesadelo sem fim.

            Com a PEC-287 o governo quer  assegurar a sustentabilidade do modelo previdenciário brasileiro, em pleno regime de austeridade econômica. Quer dizer  que, mantidas as atuais condições – aposentadorias elevadas  e integrais para uma minoria, regimes diferenciados para funcionários públicos e trabalhadores, pensões familiares, serviços de saúde, auxílio funeral, etc.- , em breve, não se terá como garantir os benefícios para as gerações futuras. Concluiu-se, de acordo como IBGE, que um inativo tem sua aposentadoria assegurada hoje pelas contribuições de nove trabalhadores na ativa, em 2050 terá apenas dois. A Previdência tenderia a quebrar, como na Grécia.

O problema situa-se  na casa dos bilhões, envolvendo milhões de empresas, cidadãos, jovens contribuintes e entidades filantrópicas. As pessoas físicas receiam perder direitos; as jurídicas rejeitam o aumento dos percentuais das contribuições; os desonerados…

          Pela nova PEC, em discussão no Congresso, o tempo mínimo de contribuição para dar direito à aposentadoria pelo INSS seria de 25 anos (hoje é de 15 anos); a Idade mínima de 65 anos (hoje, 60 anos em média), regra que valeria igualmente para homens e mulheres (hoje há uma diferença, mulheres aos 55 anos). Homens com mais de 50 anos e mulheres acima de 35 teriam regras de transição. Os direitos dos já inativos estariam assegurados. Projeta-se uma economia de R$ 4,6 bilhões, no primeiro ano de vigência da lei da reforma que vier, e de R$ 678 bilhões  no final de dez anos(até 2027).

           O problema situa-se  na casa dos bilhões, envolvendo milhões de empresas, cidadãos, jovens contribuintes e entidades filantrópicas. As pessoas físicas receiam perder direitos; as jurídicas rejeitam o aumento dos percentuais das contribuições; os desonerados (RS 280 bilhões) pulam para não recolher o INSS; e os sonegadores se vêm diante do dilema de pagar o que já não tem como, tamanho os valores devidos (R$ 452 bilhões). As discussões têm um caráter didático – o brasileiro precisa aprender a proteger o seu futuro –  mas abrem espaço para os demagogos e amplas oportunidades para a categoria dos advogados.

              Em um sistema de “seguros”, como o da Previdência, há grupos que contribuem mais do que ganham ou que ganham mais do que contribuem. Nesse processo de arrecadação é possível detectar muitas assimetrias. O modelo abriga grupos deficitários, que se aposentam mais cedo e contribuem por menos tempo,  regiões mais pobres, como a do Nordeste, e trabalhadores rurais que recolhem (7,3 bilhões) menos de 10% do que recebem (R$ 102 bilhões) . Nada contra.  Graves mesmo são as desonerações. Desde 2011 os governos no Brasil vem renunciando a dezenas de bilhões de reais que se destinariam a custear a Previdência.

O governo faz  um jogo não muito limpo, omitindo a informação de que parte da receita do  Orçamento da Seguridade Social – Previdência, Saúde e Assistência Social…

A conta é alta. Tolera-se, posterga-se e até se perdoa essa extensa dívida de milhares de empresas, clubes, igrejas  e governos  endividados com a Previdência.

Surgem daí  dúvidas sobre a sinceridade do governo. O alarde assusta todo mundo. Porém,  em 2015,  a contribuição dos trabalhadores urbanos produziu um superávit de R$ 5,5 bilhões, menor inclusive que entre 2011 e 2014, quando chegou próximo a R$ 30 bilhões. Anuncia-se que o quadro é agravado pelo aumento do desemprego , a diminuição conseqüente do volume das contribuições e a elevação da longevidade média para 76 anos.

O governo faz  um jogo não muito limpo, omitindo a informação de que parte da receita do  Orçamento da Seguridade Social – Previdência, Saúde e Assistência Social (art.195,CF88) – reforça o Orçamento Fiscal. Somados, Previdência, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dariam mais de R$ 260 bilhões em 2015. O recolhimento no campo da seguridade tornou-se um suporte –  proibido em lei – ao Orçamento Geral,  já que as receitas tributárias não conseguem sozinhas cumprir este papel.

Problemão mesmo são os juros da dívida interna (R$502 bilhões), mas é outro assunto. Agora é a vez do ajuste nas regras previdenciárias. Já se mexeu um pouco no imposto de renda(2014). Mas justo e corajoso seria insistir na cobrança aos sonegadores e na  incorporação seletiva dos desonerados. Contudo, muitos dos exitosos empreendedores de hoje fechariam seus negócios e, provavelmente, não haveria lugar nos presídios para acomodar uma nova leva.  Diante desse quadro, deixo aqui uma pequena dúvida para que cada um, pesquisando, possa esclarecer a si mesmo: Senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores recolhem imposto de renda e previdência?

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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural

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