No mesmo barco. Por José Horta Manzano
… Pessoas circulam o tempo todo. Vírus não têm passaporte, zombam de fronteiras e não costumam abrir as malas na alfândega. Estamos todos no mesmo barco. É dar as mãos ou dar as mãos…
A pandemia desencadeada pelo atual coronavírus é um divisor de águas entre um passado em que cada um se virava sozinho e um futuro em que o combate a esse tipo de praga será obrigatoriamente coordenado em nível mundial.
O que vemos atualmente é um pandemônio dentro da pandemia. Em outras palavras, a ausência de gerenciamento global deu origem a um Deus nos acuda, em que todos saíram chamuscados – grandes e pequenos, ricos e pobres, previdentes e descuidados. O fruto da desorganização é amargo para todos.
Países que, ao surgir da pandemia, se encontravam sob governo populista acabaram sofrendo ainda mais que os outros – é o caso dos EUA e do Brasil, que pagaram preço altíssimo em vidas humanas. Mas até nações com tradição de disciplina tiveram problemas graves, como foi o caso da Bélgica e do Reino Unido.
O Uruguai, que é talvez o país mais civilizado da América do Sul, está, neste momento, na pior classificação entre os vizinhos. A atual onda epidêmica está comendo feio por lá. No mesmo balaio está o Japão, com ameaça cada dia mais presente de anulação dos Jogos Olímpicos.
Portanto, já se vê que governo democrático (não populista), disciplina e riqueza não são garantia suficiente de bons resultados no enfrentamento de pandemias. Quando cada um esperneia no próprio ritmo, sem se coordenar com os demais, joga-se esforço pelo ralo.
Nessa óptica, está na ordem do dia a criação de um tratado contra pandemias. A discussão está germinando na União Europeia e visa a que todos estejam mais bem preparados para a próxima praga. Que virá, isso é certeza.
A ideia é confiar a organização à OMS (Organização Mundial da Saúde), que, com seus 194 membros, congrega praticamente todos os países do planeta. Fabrico, atribuição e destino de doses excedentes de vacina, por exemplo, deveriam ser coordenadas por um organismo central em vez de ficar a cargo de cada nação individualmente.
A Suíça já se comprometeu solenemente a dar sua contribuição. Vai utilizar um laboratório ultra sofisticado e ultraprotegido já existente, instalado na cidade de Spiez (Cantão de Berna), especializado em manipular substâncias de alto risco. Nova ala será erguida para acolher um depósito mundial do coronavírus e de outros agentes patogênicos. E tudo pago com dinheiro dos contribuintes suíços, sem financiamento internacional. A OMS aplaudiu a iniciativa.
De qualquer maneira, enquanto a população do último país não estiver imunizada, o resto do planeta não estará protegido. Quanto mais tempo o vírus correr solto num determinado país, maior será o risco de surgirem variantes resistentes às vacinas. Pessoas circulam o tempo todo. Vírus não têm passaporte, zombam de fronteiras e não costumam abrir as malas na alfândega. Estamos todos no mesmo barco. É dar as mãos ou dar as mãos.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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