Mentiras e mentirosos que nos rodeiam. Por Aylê-Salassié F. Quintão
— CERCADOS DE MALAS SEM ALÇA POR TODOS OS LADOS —
“O fulano (…) não deve ser candidato à Presidência da República. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Revolução?! Olha, quem fala!
Setenta anos depois, a política no País não saiu do lugar. Os espaços estão ocupados por dezenas desses “malas sem alça”. Incompetentes, até como ser humano. Não vale a pena acreditar neles. Compõem a máquina trituradora da oligarquia brasileira. Carlos Lacerda era um representante dela. Com lorotas, palavras afiadas e sem sentido conduziu Getúlio ao suicídio. Um precedente moral que ninguém tem coragem de assumir. Lacerda sobreviveu: morreu de morte natural. Justiça Divina ?!…
Hoje, “O que o Presidente fala, não se escreve”. Uma injustiça porque, no campo da política o que todos, sem distinção, falam, não se escreve (scripta manente). A tal de CPI do Covid é uma enganação daqueles que sangram o Estado e trabalham sistematicamente para a derrubada de governos. Manter o caos. Querem o impeachment, e lá se vai 2021. É a única coisa que sabem fazer na política. Nossos representantes, líderes, governantes, nossos heróis, todos mentem. Até no Judiciário, à luz da lei.
A verdade dissolve-se em interpretações, chamadas, ironicamente, de jurisprudências, por meio das quais fluem vaidades e interesses escusos. É como tomar um copo de água com bicarbonato. Tudo se dissolve, tudo se resolve, com a chancela do “absoluto”, declarado, por quem não teve um voto sequer. Olha aí o fantasma que ronda a tomada do Poder pelas conveniências pessoais ou oligárquicas. Sua coesão não são se resume mais só em laços familiares. Não. Elas se esticam fácil da direita para a esquerda.
Quem pretender moralizar isso vai ser triturado pela máquina extensiva dessa oligarquia. O caso Moro é exemplar: mandou prender todo mundo. Em resposta, foi sendo vagarosamente desfigurado. E será ainda mais, quando chegar as eleições. A menos que a opção seja esquecê-lo. Enterrá-lo de vez, para não ressuscitar lembranças de roubos contundentes do patrimônio público. Praticamente, todos os ladrões confessos já foram ou estarão sendo soltos em ritos e jurisprudências viciadas, mas com inocências absolutizadas no Judiciário. Serão as eleições dos ladrões. Sim, porque eles estão voltando, talvez até o Sérgio Cabral condenado a 300 anos de cadeia.
A Constituição está cercada de “malas sem alça”. Quando não são essas tais jurisprudências, tem suas disposições desconfiguradas pelos chamados ritos processuais. É onde se acoberta, em definitivo, a criminalidade.
Funcionam transformando a lei numa simples peça de teatro. Todos são protagonistas, inclusive leitores de jornais e jornalistas. Somos parte disso, na medida em que se gasta um parágrafo, pelo menos, para escrever uma notícia ou comentário, a favor, contra ou muito antes pelo contrário, sobre questões absurdas e decisões absolutas. Legitimam-se farsas como verdades. A imprensa as coloca em pauta afrontando a história e a sociedade. É quase um crime. No mínimo, uma maldade, um desdém total aos cidadãos, “meros civis”, dir-se-ia, sem direito algum, em determinados casos, nem à própria vida.
Se se aceita que fora dos fatos não há verdade, pergunta-se: será que ninguém se dá conta da materialidade explícita dos crimes cometidos: mansões compradas com dinheiro público, gente enchendo, desenvergonhadamente, malas de dinheiro, outros usando meias e cuecas para esconder dinheiro roubado, outros ainda fazendo acordos com empresas para pagar suas dívidas? Os ritos processuais na Justiça protege essa gente. Recorre-se a textos legais viciados para gerar tramas e, a partir deles, declarar a inocência dos criminosos.
O sociólogo Jessé Freire disse que tudo isso é a herança da escravidão. Não, não é não. Isso é tese acadêmica, feita para boi dormir. O poder oligárquico vem se arrastando desde a tal descoberta do Brasil. Cabral pediu emprego no Brasil ao Rei para um parente. Fomos colonizados por bandidos. Foi assim que Portugal ocupou este território. Pela força, dominou os índios. Assim nascemos como povo.
Ao longo da história, os personagens são os mesmos: familiares, herdeiros, amigos na partilha da riqueza e do Poder. Victor Nunes Leal, com o seu Coronel, enxada e voto, denunciou isso há mais de 50 anos. Várias pessoas na área acadêmica concluíram a mesma coisa, e nada aconteceu. É aí que está a máquina trituradora da política brasileira, hoje engrossada pela elite empresarial. Carlos Lacerda, um sábio da política, não percebeu que foi usado por essa oligarquia como seu porta-voz. Enquanto ele distraía a população com fuxicos, como ainda se faz hoje, a oligarquia mamava e se fortalecia patrimonial, política ou socialmente, enchendo a população de vulgaridades.
Nenhuma família desaparece. Há sempre um velhinho, uma história ou uma legenda a amparar esse poder. Ninguém consegue desmontá-lo. Está entranhado na cultura brasileira. Somente com ela alcança-se a máquina do Estado. Cadê o povo? O povo!!! Cadê o povo?! Que povo, que nada! Ele está vendo novela. Assistindo Silvio Santos, Ratinho, Faustão, Datena, filmes policiais americanos e os BBBs da vida. A alienação faz parte desse espetáculo do Poder.
Percebe-se, entretanto, que a população está exausta de carregar nas costas tantos malas sem alça.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília
Um dos artigos mais lúcidos sobre o nosso panorama político.
Um dos mais lúcidos e precisos retratos da nossa sociedade! MAIÚSCULO! O diagnóstico objetivo (mais um!) está feito: só falta… agirmos!
Beto Guedes: A lição sabemos de cor – Só nos resta aprender (Sol de Primavera)
Só resta chorar