De bobo o Bobo da Corte não tem nada. Por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
De bobo o Bobo da Corte não tem nada
Por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
…Ele pensa que vai nos confundir com as palavras. Bobo da Corte é o bufão, o jester dos ingleses. Foi vertido para o português como Bobo da Corte por conta de suas anedotas, danças e piruetas. Uma tradução… boba. Mas o que não quer dizer que fosse bobo no sentido de tolo, de pouco inteligente…
Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, 3 de março/ 2017
Estamos sempre associando os Bobos da Corte ao divertimento, às palhaçadas, às gargalhadas, ao prazer que davam ao rei com suas piadas e brincadeiras. Mas esse não era seu principal papel, segundo o grande filósofo do século XVI, Erasmo de Rotterdam: o bobo era quem contava ao rei o que ninguém queria que o rei ficasse sabendo, ele era o espelho de todo o grotesco dos hábitos da Corte.
Erasmo diz que para o papel de Bobo da Corte os reis preferiam os homens de espírito aos otários. O que contrariava a Corte, por suposto…
Feste, o bobo sábio de William Shakespeare em sua comédia “Noite de Reis”, é quem tem as falas mais importantes da peça. É ele quem diz a verdade não apenas para os outros personagens, como para a plateia.
Em “Rei Lear”, o bufão não tem nome, ele é simplesmente Fool. Desde o início da grande tragédia, ele vê as filhas do rei como elas realmente são e prevê que a decisão final do rei será desastrosa.
Como disse outro brilhante escritor, um dos maiores do século XX, Isaac Asimov, em seu ‘Guia para ler Shakespeare’: “Esse é, evidentemente, o grande segredo do Bobo bem sucedido – ele não tem nada de bobo”.
Marcelo Odebrecht, o herdeiro da maior empresa do Brasil, e que não tem nada de bobo, disse em seu depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral sobre as doações de sua empresa à chapa Dilma/Temer, eleita em 2014: “Eu não era o dono do governo, eu era o otário do governo. Eu era o bobo da corte do governo”.
Ele pensa que vai nos confundir com as palavras. Bobo da Corte é o bufão, o jester dos ingleses. Foi vertido para o português como Bobo da Corte por conta de suas anedotas, danças e piruetas. Uma tradução… boba. Mas o que não quer dizer que fosse bobo no sentido de tolo, de pouco inteligente.
Assim como Marcelo Odebrecht não é nada bobo, nem engraçado como os jesters das cortes europeias. Ele era, sim, o cara com a caneta mais cheia de tinta do Brasil. O príncipe dos empreiteiros, o que fazia chover dinheiro nos bolsos da Corte.
…O diabo é que, em nossa Corte, só a metade da verdade é verdadeira. E a metade que é verdadeira vive trocando de lado com a metade que é falsa.
Bobo, o preso que está controlando perfeitamente sua prisão e seu processo? Conta outra, seu Marcelo. Essa não cola. Na verdade, você foi otário, sim, ao se deixar vencer pela ambição desvairada. Mas isso não quer dizer que tivesse sido o Bobo da Corte. Foi, sim, o dono do governo, o sujeito de quem a Corte dependia para suas tratantadas.
Nem a desculpa de não saber bem o que quer dizer Bobo da Corte você tem. Afinal, neto e filho de homens ricos, imagino que tenha tido uma boa instrução e que soubesse muito bem qual o verdadeiro papel do Bobo da Corte. Pelo menos agora vai ficar sabendo, não é? As delações são as falas dos Bobos da Corte sobre a verdade dos fatos.
O diabo é que, em nossa Corte, só a metade da verdade é verdadeira. E a metade que é verdadeira vive trocando de lado com a metade que é falsa. Fica complicado, não é? Mas nós, os que nunca pisamos nos tapetes da Corte, e que já estamos cansados de esperar pelas revelações das delações, não vamos aceitar esses vazamentos que insinuam mas não provam. Queremos a verdade inteira, completa, despida de toda e qualquer fantasia.
O Brasil precisa andar!
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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* – Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.
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Não vou nem discutir quanto de bobo tem Marcelo Odebrecht (na acepção mais comum da palavra em português, certamente nada). Só tenho uma pequena observação sobre a tradução supostamente “boba” do inglês “fool” ou “jester”. Como a autora aponta, o próprio Shakespeare tratava o bobo de “fool”, cuja tradução literal é…. bobo! Para além disso, já no século XIV (Shakespeare é do XVII) os diplomatas ingleses em Portugal expressavam-se em português, não em inglês, ainda uma língua “bárbara” na época. Aliás, até o século de Shakespeare, o XVII, a língua oficial da Inglaterra era o francês, não o inglês. O inglês “buffon” (sinônimo de “jester”, “fool” e “clown”), por exemplo, como inúmeras outras palavras do inglês moderno, vem do francês “bouffon”, puro latim, que deu “bufão” em português. Portanto, a suposta “tradução” (o caminho pode ter sido também o inverso) não é nada “boba”…