“Mamãe, eu quero!”. Por Josué Machado
“MAMÃE, EU QUERO!”
Por Josué Machado
Há sempre prejuízo para os olhos, os ouvidos e o coração quando aparece “um” ou “uma” antes de palavras começadas por “m”, formando o carnavalesco “mamá”. Isso porque pelo jeito o carnaval ainda vai durar muito tempo. Pelo menos na política.
“Mamãe Eu Quero”, a marchinha de 1937, de Jararaca e Vicente Paiva, gravada por Carmen Miranda e cantada em todos os carnavais desde então, começa assim:
Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar!
Dá a chupeta, dá a chupeta, ai, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebê não chorar!
Nela, o “mamar” cantado vira “mamá”, som infantil que se repete todos os dias em dezenas de textos de jornais e revistas com o encontro de “uma maior” e “uma má” entre outros.
Claro que ninguém deve perder tempo procurando dissonâncias e cacofonias em textos por aí, mas há casos em que as desafinações machucam os olhos ou os ouvidos. Ou ambos. Às vezes, até o coração cansado.
Noutros casos, são pequenas desarmonias como a já descrita, resultante da insistência distraída de alguns redatores de grudar o artigo um/uma ao adjetivo maior. É sempre e sempre e sempre “um maior” e “uma maior” a lembrar o “Mamãe, eu quero”. Como no caso seguinte do texto de jornal em relação à atividade de Rodrigo Janot na Procuradoria Geral da República (neste e em todos os casos, realçados com maiúsculas por este escriba):
“Haverá (com Janot) UMA MELHOR dinâmica institucional entre os poderes”.
Mais abaixo, no mesmo texto:
“Teremos UM MAIOR contato com a sociedade”.
Pior ainda é o caso em que “uma” precede “má”, como perpetrou noutro texto, no mesmo dia, o bom analista recorda, aí sim lembrando saudosos carnavais:
“Se a companheira Graça foi uma boa executiva, a doutora Dilma, que controlava o preço dos combustíveis, foi UMA MÁ gerentona.”
Mais? Na lembrança do aniversário da morte de Ayrton Senna, a mensagem publicitária reproduziu título da Folha de S. Paulo na época:
“Senna vence com UMA MARCHA só”. Sim, sim, “UMA MARCHA só”, berrando no título.
O fenômeno mamoso se repete em texto de revista sobre a esquelética atriz Angelina Jolie, em que aparece o seguinte título no quadro, que continuam chamando de “boxe” (às vezes, “box”):
“A gestão Jolie: Como UMA MÁ atriz virou celebridade.”
Por que “UMAMÁ”? Pior ainda: “COMUMAMÁ”.
Além de soar como canelada visual e sonora, a união em tais casos é sempre desnecessária. Basta ter um pouco de ouvido e uma dose esperta de desconfiômetro.
Como ficam os trechos apontados sem o artigo? Por certo, mais limpos e harmoniosos:
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“Haverá (com Janot) melhor dinâmica…”
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“Teremos maior contato com a sociedade.”
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“Se a companheira Graça foi boa executiva, a doutora Dilma, que controlava o preço dos combustíveis, foi má gerentona.”
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“Senna vence com uma só marcha”.
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“A gestão Jolie: Como a má atriz virou…”
Neste último caso, o problema é que a expressão “Como a má” continua malsoante. Melhor será:
“Assim, a má atriz virou…”
Conclui-se, portanto, que a ligação ruim de UM com MAIOR e UMA com MAIOR, gerando UMMAior/UMAMAior e, pior ainda, uma com má, produzindo a juvenil cacofonia UMAMÁ, será desprezível até o fim dos tempos.
Além de carnavalesco fora de época.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.