Só falta agora problematizar Noel Rosa. Por Alvaro Costa e Silva

 Só falta agora problematizar Noel Rosa

Por Alvaro Costa e Silva

… Um alvo predileto das atuais restrições é a palavra “mulato”. Pois Noel Rosa fez “Mulato Bamba”, gravado por Mário Reis em 1932. Ouçam o samba. Mostra como o artista esteve à frente do seu tempo, ao tratar a homossexualidade sem deboche e com simpatia…

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, pag. 2, 28 de fevereiro de 2017

RIO DE JANEIRO – Por enquanto, Noel Rosa escapou da razia politicamente correta. Suas marchinhas e seus sambas mais carnavalescos – “Pastorinhas” (com Braguinha), “Pierrot Apaixonado” (com Heitor dos Prazeres), “O Orvalho Vem Caindo” (com o pugilista Kid Pepe, que nada fez na parceria), “Até Amanhã” – seguem empolgando foliões.

Escrevi “por enquanto” porque esse tipo de cobrança está na moda e vai continuar, mesmo depois da Quarta-Feira de Cinzas. E porque Noel foi, na música brasileira, uma das primeiras vítimas da “problematização” “” aliás, dupla vítima, tanto do conceito acadêmico que esta palavra encerra como da própria palavra, que é um palavrão de feiura.

Em artigo de 1972, publicado no “Pasquim”, Millôr Fernandes desanca um tal de “Wagner” (na verdade, o compositor Jorge Mautner), que acusou Noel de antissemitismo, citando as músicas “Cordiais Saudações” (“Ando empenhado nas mãos de um judeu”) e “Quem Dá Mais?” (“Quem arremata o lote é um judeu/ Quem garante sou eu/ Pra vendê-lo pelo dobro no museu”). Em sua defesa, Millôr escreve: “Na época, ‘judeu da prestação’ era uma expressão popular com uma coloração racista tão grande quando se dizer o ‘crioulo da padaria’ ou o ‘careca do armazém'”.

Um alvo predileto das atuais restrições é a palavra “mulato”. Pois Noel Rosa fez “Mulato Bamba”, gravado por Mário Reis em 1932. Ouçam o samba. Mostra como o artista esteve à frente do seu tempo, ao tratar a homossexualidade sem deboche e com simpatia, no retrato do malandro – inspirado em Madame Satã e outros – que desdenha das mulheres: “As morenas do lugar/ Vivem a se lamentar/ Por saber que ele não quer/ Se apaixonar por mulher”. Para concluir: “O mulato é de fato”.

Se não me engano, hoje é Terça-feira Gorda. Dia de cantar o que bem quiser.

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alvaro costa e silva

Alvaro Costa e Silva Trabalha como jornalista desde 1988. Em redações de jornais e revistas cariocas, foi repórter, redator, editor, colunista.

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